“Os tempos são urgentes, precisamos desacelerar”
- Bayo Akomolafe
Impossível começar a travessia “desacelerar” sem trazer a famosa frase do filósofo e ativista nigeriano, Bayo Akomolafe. Pode parecer paradoxal pensar em desacelerar diante de tantas urgências e crises simultâneas, como diz o rapper Emicida “é tudo pra ontem!”. Sim, temos muitas demandas de mudanças estruturais atrasadas, mas tenho certeza que Emicida concordaria que diminuir o passo é um ponto importante para seguirmos em uma direção melhor.
Não adianta correr, se estamos na direção errada. Daniel Wahl, autor do livro Design de Culturas Regenerativas (Bambual Editora) abre o livro falando sobre a importância de começarmos a nos concentrar em fazer as perguntas certas. Em outras palavras, ele fala sobre como precisamos “ganhar esse tempo” pensando mais nas perguntas do que nas respostas (que tendem a ser automáticas, práticas e superficiais).
Donna Haraway também defende essa ideia. A filósofa, bióloga e teórica feminista escreveu um livro em que o título já diz tudo: “Ficar com o Problema”. Ela argumenta e demonstra que diante de problemas tão enraizados e profundos, nós deveríamos evitar o pensamento acelerado sobre um futuro e mergulhar nas complexidades dessas crises permitindo que esses problemas nos transformem.
Outros dois estudiosos sobre as crises sistêmicas, Joanna Macy e Chris Johnstone, também defendem que diante das urgências e das incertezas do futuro nós precisamos viver com uma visão mais ampla do tempo. Veja, Joanna é ativista socioambiental há mais de 5 décadas, ecofilosofa e estudiosa do budismo e da ecologia profunda. No alto de seus 93 anos sabe, como poucos, a urgência para transformar nossas ações. Mas ainda assim, ela nos alerta sobre a necessidade de não cairmos nesse padrão de pressa, que é justamente um dos sintomas que precisamos combater, quando pensamos na saúde planetária.
“Quando tanta coisa precisa ser feita para tratar de nossa crise planetária, a velocidade é necessária. Ao mesmo tempo, existe uma grande diferença entre escolher ir mais rápido quando ao fazê-lo se gera benefício de forma genuína, e ser pego em uma padrão de pressa por causa do hábito ou da demanda."
-Joanna Macy e Chris Johnstone em Esperança Ativa.
Os que andam devagar pela vida também tem muito a nos ensinar. Muitos quilombolas, indígenas e agricultores rurais fazem parte de uma cultura que tende a respeitar o tempo da natureza. Enquanto boa parte dos que vivem na cidade, estão correndo de um lado para o outro com uma lista de demandas sempre intermináveis, esses povos nos ensinam a andar no ritmo das estações, a pisar o chão devagar.
"Os nossos avós antigos continuam nos ensinando: Andem com cuidado, pisem devagar aqui na terra, como se estivessem voando. A terra é como uma mãe que amamenta os filhos. Se a Terra está bem e com saúde, os filhos dela estão bem e com saúde."
-Ailton Krenak, O lugar onde a terra descansa.
O cultivo da calma
Diminuir o ritmo, dar espaço ao descanso e sair do automatismo das ações, pode não ser uma tarefa simples em uma sociedade que valoriza tanto a produtividade e que coloca a exaustão como um símbolo de sucesso.
É assustador pensar nessa frase acima, não é? Mas a verdade é que mesmo que a gente tenha consciência do quão errado é continuar esse padrão acelerado, atarefado e de muita pressão, muitas vezes, seguimos repetindo o padrão. Afinal, está enraizado na cultura capitalista em que vivemos.
"O mundo de hoje parece existir sob o signo da velocidade. O triunfo da técnica, a onipresença da competitividade, o deslumbramento da instantaneidade na transmissão e recepção de palavras, sons e imagens e a própria esperança de atingir outros mundos contribuem, juntos, para que a idéia de velocidade esteja presente em todos os espíritos e a sua utilização constitua uma espécie de tentação permanente. Ser atual ou eficaz, dentro dos parâmetros reinantes, conduz a considerar a velocidade como uma necessidade e a pressa como uma virtude".
- Milton Santos, Elogio à Lentidão.
Mas quando o assunto é incentivar um estilo de vida mais sereno, não podemos esquecer de fazer dois recortes essenciais: de gênero e classe social. Afinal, como falar para uma pessoa, que pega três conduções para ir e voltar do seu trabalho, que ela precisa desacelerar? Como pedir para uma mãe solo e sem rede de apoio descansar? Se já é difícil, transformar esse padrão em uma pessoa com privilégios, imagina para aqueles que não podem ter muitas escolhas?
Fiquei me perguntando como poderíamos criar uma sociedade que cultiva a calma. Como poderíamos, afinal, desacelerar? Buscando ajuda e orientações práticas, lembrei de um vídeo da Milena Guimarães, Instrutora Sênior em Mindfulness e Instrutora de Yoga, em que ela reforçava que não era preciso um ambiente perfeito para cultivar a calma. Claro que estar perto da natureza, em silêncio, em uma rotina equilibrada ajuda muito, mas existem formas de começar a adubar um terreno calmo e fértil dentro de cada um de nós. Por isso, bati um papo com a Milena e trago aqui algumas reflexões.
Na nossa conversa, já fui logo perguntando sobre como ela acha que podemos sugerir práticas de meditação, sem que sejam práticas excludentes para um recorte de pessoas com certos privilégios. Como as práticas poderiam realmente caber na rotina de todos. E ela começou me deixando claro de que a prática de mindfulness na raiz não deveria excluir ninguém.
“A prática não é excludente. Se a gente relacionar meditação a ter tempo, ter um espaço limpo e vazio, com uma rotina tranquila, com incenso, vela, um altar… Aí sim, criamos uma série de condições e, com isso, temos sentimentos equivocados em relação à prática. Dessa forma, muitas pessoas podem pensar que a prática não é para elas. Mas mindfulness é para todas as pessoas, pois envolve ações simples que a gente faz o dia todo: andar, deitar, sentar, se mover, comer, falar, ouvir. Todas essas ações podem ser realizadas dentro de uma prática de consciência e não no piloto automático, como fomos treinados a vida inteira. Então, resumindo, a prática pode caber no estilo de vida de qualquer pessoa. Tenho alunas que começaram a praticar no transporte para o trabalho. Ao invés de ficaram com os pensamentos ruminantes, com a cabeça longe, elas escolhiam esse momento para praticarem a atenção plena, com atenção à respiração e ao corpo. Tenho outros alunos que escolheram fazer a prática caminhando, no trajeto do mercado, por exemplo.
Ela seguiu dizendo que o importante é fazer a escolha de querer começar, organizar um pequeno tempo e onde vai colocar a prática dentro da sua rotina e persistir nessa escolha. "Provavelmente, depois de sentir os benefícios da prática, essa pessoa vai abrir cada vez mais espaços na sua agenda para a meditação, seja ela sentada ou em movimento."
Concordei com ela. Apesar de passar por períodos fugindo da meditação, o que sempre me faz voltar é ter essa experiência marcada no corpo. Mas, enquanto ouvia Milena falar, me lembrei das críticas que já ouvi em relação ao método de mindfulness ter sido cooptado por corporações que incentivam que os funcionários façam a prática com um único objetivo: aumento da produtividade. E perguntei sua opinião sobre o assunto.
"Esse é o famoso 'Mc Mindfulness'. Já começa errado, porque a prática verdadeira tem que ser livre de objetivos. É claro que a prática pode trazer consequências como relaxamento, criatividade, melhora no foco, melhora na comunicação interpessoal e intrapessoal, mas isso são consequências possíveis, não devem ser objetivos. Se você começa a meditar com um objetivo, você já destruiu a prática. Infelizmente, nós vemos empresas que instituem a prática para que os funcionários ganhem apenas essas habilidades, com desejo de aumentar a produtividade, mas eu acho difícil que as pessoas que praticam com profissionais sérios caiam nessa armadilha. A essência do mindfulness é compaixão, ter uma mente compassiva, não é ter uma mente que vai ser capaz de produzir e ganhar milhões. Muitas vezes, a pessoa vai tomar consciência de que os valores da empresa não batem com o dela, inclusive."
Eu brinquei que isso a gente poderia deixar em segredo… Por fim, pedi uma sugestão de prática simples para quem quer começar a desacelerar e estar mais presente.
"Uma prática simples, que qualquer pessoa pode começar a implementar no seu dia a dia é fazer três respirações conscientes antes de realizar uma ação. Você acorda e faz as três respirações. Antes de escovar os dentes, antes de preparar o café, durante o banho, antes de uma reunião, antes de começar um trabalho. E por aí vai…
Três respirações antes de continuar a ver os emails do dia? Topa?
Teremos dois meses para olhar para esse assunto, de diferentes pontos de vista. Os colunistas trilharão por assuntos como: Desacaleramento na ciência, a importância das pausas para o bem-estar, descresimento econômico, cultivo da calma nas relações, contemplações para uma vida mais criativa além de dicas de filmes e livros.
Vamos atravessar - devagar - por esse tema?
💠Confira as colunas dessa travessia #13:
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💠Uma comunidade para aprender e praticar a meditação
A nossa parceria da vez na Comunidade Travessias é com a Comunidade Milena Medita. Uma plataforma criada pela Milena Guimarães em que você vai encontrar + de 200 áudios de práticas selecionados e separados de acordo com as diferentes áreas de necessidades (exemplos: para insônia, para ansiedade, para acordar, para focar, para quando estiver doente, para grávidas, para esportes, pós e pré trabalho, etc).
Você também terá acesso à encontros quinzenais de prática e partilha de Mindfulness Puro e Simples ou práticas de Mindful Yoga e a workshops/masterclass mensais de diferentes temas relacionados ao mindfulness. Por exemplo: mindful eating, mindful parenting, mindful listening, mindful leadership, mindful birth, e assim por diante.
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