A vida que você só escreve quando desacelera
#PraLerNaRede | Travessia #13: desacelerar
Em um mundo em que perdemos a hora, escrever sobre desacelerar é um gesto de resiliência. Assim como também é um ato de amor para a própria escrita. Afinal, o que seria da literatura sem a generosidade do tempo?
Entre inúmeros textos instantâneos com alta performance de "sucesso", perduram sobre o tempo alguns clássicos cujo autores levaram uma eternidade para redigi-los. James Joyce, autor de "Ulisses", levou sete anos para escrever o dia mais longo da história da literatura.
Diante de exemplos como este, de lenta confecção, gosto de retornar à uma pergunta que me guia:
Quando começa a escrita?
Na minha experiência, a escrita não acontece na hora que tocamos o papel ou o teclado. A escrita acontece o tempo todo, em diferentes momentos do dia, se estamos abertes a ser tocades pela vida.
Realço aqui a condição do "se", pois a verdade seja dita, em uma sociedade destrutiva e capitalista, entre outras coisas, é muito desafiador atrever-se a ser sensível.
Mas assim como se faz necessário "sentir a dor do mundo" para trilhar um caminho de ativismo e esperança, como nos convida a ecofilósofa Joanna Macy, acredito que para escrever também é preciso abrir as portas do coração e ofertar tempo as vidas que nos acompanham.
Este foi o convite que me fiz quando escrevi "frames lunares" e os outros poemas do livro "seu grunhido me dá esperança" (Ed. Patuá) que está prestes a ser lançado. Busquei me conectar com um tempo profundo e espiralar e levar minha atenção e espanto para a poética das vidas que tecem suas existências no mesmo planeta que habito, independentemente de suas espécies.
O livro não foi feito em uma única noite de lua cheia ou nova, nem na concretude da hiper aceleração. Pelo contrário. Levei muitos ciclos de "começo, meio e começo" e inúmeros balanços de mar e rede para enfim chegar numa espécie de avesso do fim.
Pois, assim como a escrita me apoia a abrandar a hora do "fim do mundo", a poesia salva meus minutos, faz graça com meus espantos e diariamente me ensina a desdobrar finais. Foi por isso que preparamos um módulo inteiro para falar sobre o tempo e a escrita durante a Jornada de Escritas Regenerativas, projeto que expressa a natureza através da escrita pelo viés das culturas regenerativas.
Agora, maturo este texto embalada na rede e imagino você, ser quem me lê. Ao participar da Travessias, você está em contato com pessoas a fim de construir saberes regenerativos, com uma rede que dedica seu tempo para sensibilizar nossa transição.
Repara nisso: você também matura este e outros textos no embalo de uma rede.
Te convido a habitar o seu lugar com calma.
A pressa não é amiga do encontro. Ela é reducionista, desagregadora. Precisamos de tempo para observar, conectar, processar, escrever, ler, rever. Precisamos de tempo para regenerar.
Aqui, na tecitura desta rede, ainda há muita história para rolar. Muito céu para se segurar.
Quem sabe, aos poucos, devagarin, você até escute Caetano cantar:
"Ainda assim acredito Ser possível reunirmo-nos Tempo, tempo, tempo, tempo Num outro nível de vínculo Tempo, tempo, tempo, tempo”