Vivemos a bordo de uma nave que gira em torno de si, a quase 1.700 quilômetros por hora; e em torno do Sol, a mais de 100mil quilômetros por hora.
Você já parou para pensar nisso? Consegue imaginar? Sentir?
Te convido a fechar os olhos e respirar profundamente, algumas vezes, pensando sobre isso.
O que sente?
É nessa velocidade astronômica, que toda a vida na Terra acontece. E, de alguma forma mágica (leis da física junto com a atmosfera – essa capa protetora que nos envolve e impede que "o céu caia sobre nossas cabeças!"), não percebemos.
Pelo contrário, quando olhamos pela janela, vemos nuvens se movendo len-ta-men-te. E, quando olhamos para o Sol, mal percebemos que ele está "mudando de lugar".
É realmente fascinante saber que viajamos no espaço em uma espiral constante, em altíssima velocidade, protegidos por uma tecnologia natural que mantém o equilíbrio ecossistêmico e, quando saudável, promove um ambiente acolhedor para toda a teia da vida. Ao mesmo tempo, é surpreendentemente fácil abstrair essa informação.
Provavelmente, para a maioria das pessoas, a percepção e consciência da ‘realidade’ em que vivemos, muitas vezes não passa pela compreensão de onde realmente estamos, e que, no nosso caso, sempre em movimento, nunca no mesmo lugar – um exemplo de como podemos facilmente não perceber a realidade na qual estamos imersos.
Ao longo dos milênios, nessa jornada cósmica, os grupamentos humanos experimentaram muitas formas de viver, em diversos lugares e contextos, com diferentes cosmovisões e graus de conhecimento e consciência.
Passamos de nômades a sedentários; depois, nos tornamos essa grande população de urbanos, cada vez mais desconectados dos tempos naturais, e consumidores frenéticos, de tempo e de tudo o que o dinheiro possa comprar.
Hoje, nessa "sociedade moderna líquida", que opera com base na competição e controle, que valoriza a quantidade e a velocidade, onde tudo “é para ontem” e “o tempo é dinheiro”, somos estimulados a fazer parte “dos ganhadores” e, para isso, ter mais, o mais rápido possível – a isso é atribuído sucesso!
E esses valores moldam a forma de ser, estar e de se relacionar no mundo.
Passamos da caminhada ao foguete. Da carta ao WhatsApp. Primeiro por escrito, agora gravado e acelerado. Dispomos de uma infinidade de informações na palma da mão e, muitas vezes, poucas ou questionáveis informações no cérebro. Estamos sempre conectados aos novos tempos, com ‘medo de ficar de fora’, consumindo o mais rápido possível. Andamos sempre com pressa, e sempre na dúvida se escolhemos o rolê certo, o filme certo, o vídeo, o texto, o post… e rola para o próximo.
Ocupamos o nosso tempo tornando-o escasso, e, como o disse Alan Watts:
Transformamo-nos nessa “sociedade do cansaço”, onde a própria noção de resistência ou oposição ao sistema se torna difícil. Estamos tão absorvidos pelo ideal de produtividade e sucesso que podemos até questionar, mas são poucos os que desafiam as estruturas dominantes.
A essa altura, já estão bem nítidos e conhecidos os efeitos desse modelo de vida. Sabemos as consequências, tanto em nível individual, como coletivo e global.
Experimentamos estresse, fadiga e baixa resiliência em nossa saúde pessoal e também na própria saúde planetária, que nos afeta diretamente. Por um lado, vivemos a um passo de um burnout (que literalmente quer dizer queimar para fora) e, por outro, os acontecimentos, cada vez mais intensos, relacionados ao aquecimento global, transformando nossa ‘mágica’ atmosfera em uma panela de pressão, onde toda a teia da vida sofre – a relação entre os significados dos nomes, não é uma coincidência, e, mais uma vez, demonstra a relação direta entre essa saúde única (one health), ou falta de saúde, compartilhada entre os indivíduos e o ecossistema que habitamos.
De repente, nos deparamos com a constatação de que “é muito mais provável que você se torne um refugiado climático do que um bilionário”.
Nossas ações orientadas para o sucesso individual estão cada vez mais desconectadas da realidade em que vivemos. Já há muito tempo ouvimos falar que ‘o negócio é ser pequeno’ e que corremos o risco de conhecer a ‘primavera silenciosa', mas estas são informações que rolamos para cima, e continuamos dançando a mesma música executada pelo ‘Grande Irmão”, o mercado.
Hoje vivemos o paradoxo de que precisamos urgentemente mudar nosso modo de estar no mundo, reduzir o ritmo, mudar de direção. Ao mesmo tempo, lidamos com o desafio de experimentar os ‘três estágios da verdade’ sobre o mundo que estamos vivendo(Schopenhauer), os quais coexistem em nosso tempo-espaço, passamos pela ridicularização; oposição violenta; e ainda estamos construindo a aceitação.
A verdade é tão assustadora, com dimensões e proporções tão gigantescas, que facilmente caímos na paralisia, em um estado de inaptidão catatônica. Nos sentimos sem recursos e sem forças para lidar com esse gigante… E, facilmente, nos colocamos no lugar de vítimas.
“A ideia de que o mundo está acabando é uma ótima desculpa para não fazermos nada: é mais fácil acreditar que o mundo que nós vivemos pode acabar, do que acreditar que nós sejamos capazes de introduzir mudanças nesse mundo – o que, além da preguiça e falta de coragem, denuncia um triste empobrecimento do espírito!
Nós temos, sim, a capacidade de mudar o mundo em que vivemos, principalmente quando sabemos o dano que estamos causando com nossa maneira de estarmos aqui. Precisamos entender que o mundo é a nossa casa comum, um lugar maravilhoso para cohabitarmos com todos os outros seres que existem. Nós somos bem vindos aqui, quem não é bem vindo aqui é o nosso modo de estar: estamos do jeito errado na Terra”
-Ailton Krenak.
Há muito tempo, muitos pensadores e ativistas vêm se organizando e promovendo reflexões e movimentos importantes, com diferentes nomes e intenções comuns, que nos convidam a viver de outra forma, como é o caso da "Simplicidade voluntária", "Slow living", "Slow food", "Veganismo", "Minimalismo", "Essencialismo", “Ecovilas” e tantos outros.
Temos conhecimento, temos ferramentas… Sabemos que qualidade importa mais que quantidade e podemos escolher caminhar com Kairós, encontrar o equilíbrio entre o que precisa ser feito com calma e o que precisa ser feito urgentemente. É urgente ter calma!
A caixa de pandora foi aberta, estamos vendo as desgraças e as doenças espalhadas pelo mundo, mas não podemos esquecer da esperança, a grande estrela guia, mãe das utopias.
A vida é movimento.
“Resistimos à mudança ignorando o fato de que a mudança é a vida”
-Alan Watts.
Podemos mudar e nos mover de outra forma sobre a Terra, como propõe Satish Kumar, com elegância e graça. O chamado é para todos nós! Bora?
Não temos tempo a perder…
Referências para aprofundar essa leitura:
“Para que o céu não caia sobre nossas cabeças!” é uma fala de diferentes xamãs e pode ser aprofundada no livro A Queda do Céu, de Davi Kopenawa
Sociedade Moderna Líquida, termo estudado no livro de Zigmund Bauman;
Sociedade do cansaço, livro de Byung-Chul Han;
O Negócio É Ser Pequeno, livro de Ernst Friedrich Schumacher;
Primavera Silenciosa, livro de Rachel Carson
1984 - O grande irmão, livro de George Orwell
♥️ Uma feira criativa em SP para desacelerar:
Imagina reunir ARTE, CULTURA, SAÚDE MENTAL e FESTA JUNINA tudo em um espaço lindo e diferente?
A Feira Criativa Mente promove eventos com arte, pequenos produtores, bem estar e uma roda de conversa especial sobre Saúde Mental, mostrando que a arte é um caminho de cura.
A edição de junho acontece neste domingo, dia 02/06, na Vila Itororó, um espaço cultural de arquitetura única, na Bela Vista, sob a gestão da Secretaria de Cultura do Município de SP.
Mais informações aqui:
♥️A Travessias Revista Digital ganhou uma versão impressa reunindo alguns textos já publicados:
A revista reúne conversas sobre a transição para uma sociedade que sustenta a vida e será enviada para todos que fazem parte da Comunidade Travessias.
Olá Marina, não ficou claro para mim quanto a passagem no texto..."Três estágios da verdade’ sobre o mundo que estamos vivendo(Schopenhauer)". Se a passagem se refere à Schopenhauer, em qual livro posso encontra essa citação? obrigada e obrigada pelo belo texto! abraços.