Quando olhamos para tudo que está acontecendo no Rio Grande do Sul e em tantas outras partes do planeta ao mesmo tempo, é difícil não pensar que já estamos vivendo bem depois do fim dos “prazos” climáticos. Mas o que significa uma previsão em uma estrutura viva como o planeta Terra? A previsão deveria nos fazer visualizar um pior cenário e nos preparar para rotas de mudança. Mas tragédias anunciadas de todo tipo nos mostram que estamos caminhando mais rápido do que esperávamos para uma vida de refugiados climáticos.
No entanto, ainda parecemos sofrer coletivamente de algum tipo de dissonância temporal, uma espécie de procrastinação climática, que nos faz crer que a emergência climática está sempre localizada em um tempo futuro.
Mas e se já estivermos muito depois de qualquer prazo?
Talvez a dificuldade em lidar com a emergência climática esteja conectada com a falta de um inimigo comum personalizado (bilionários, capitalismo, colonialismo - tudo muito “grande”) ao qual podemos nos “rebelar” contra e também por nossa cumplicidade com esse sistema capitalista extrativista que segue causando tanta morte e destruição.
Hoje mais cedo, escutei o filósofo Bayo Akomolafe falar sobre ao espiral da morte das formigas. Essas formigas seguem, através do olfato, trilhas precisas em busca de comida, e quando encontram soltam um feromônio, que serve como orientação para as outras. Quando esse mecanismo biológico falha e uma formiga libera o feromônio sem ter realmente encontrado comida, todas começam a girar até a morte por exaustão. Elas estavam na verdade, andando em círculos o tempo todo.
Estamos como essas formigas diante da emergência climática. Precisamos não só de muito investimento financeiro destinado para evitar as catástrofes previstas especialmente no Sul Global, mas também de um trabalho coletivo para uma imaginação radical de outros modos de nos organizarmos.
Arquitetos e urbanistas estão sendo convocados para reconstruir as cidades destruídas no Sul. Mas qual será o plano? Como integrar conceitos como bioconstrução, biomimética e biofilia na reconstrução dessas cidades? Como fortalecer as infraestruturas locais, criar hortas locais e ciclovias? Se as cidades foram construídas, em sua maioria, numa lógica patriarcal e branca, como criar agora cidades que sejam refúgios para humanos e mais que humanos de todos os tipos? Como preservar os corredores ecológicos e preservar a biodiversidade local? Como ser ativista climático da reconstrução?
Penso que ser ativista nesse século não deveria ser opção, ser ativista deveria ser sinônimo de trabalhar para que a vida continue existindo neste planeta, em qualquer profissão que você exerça, para que a gente tenha espaço coletivo para lidar com todo o luto que já estamos enfrentando, para que a gente tenha força coletiva para desarmar qualquer outro tipo de guerra que desvie os focos da trincheira climática do nosso tempo.
Junto com Donna Haraway, penso que precisamos focar nas recuperações parciais possíveis, fazendo delas nosso trabalho de vida. Nada é pequeno demais para ser feito. Para fora da espiral da morte do neoliberalismo, o que ainda podemos ver? Quantos seres mais que humanos encontramos a cada dia? O quanto a nossa vida, mesmo diante de tanta queda de céu nos é sustentada pelo sol, pelo solo, pelas árvores, pelos povos da floresta? Tornar essa percepção do milagre que é estar vivo agora como respiro para nosso ativismo diário.
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