📚te indico um livro #2: LUTO
Uma mensagem de Jamil Chade, Juliana Monteiro e tudo que ecoou por aqui.
O te indico um livro desse mês veio cheio de reverberações. No começo de outubro, quando escrevi sobre os motivos que me levaram a escolher o livro LUTO: Reflexões sobre a reinvenção do futuro, muitos leitores e amigos vieram conversar comigo, sobre como aqueles textos estavam ecoando internamente.
Li um dos trechos do capítulo que, para mim, é o mais bonito do livro aqui. E, dessa leitura, vieram mais conversas potentes, reflexões profundas e um sentimento de pertencimento, como quem diz: não sou só eu que estou pensando sobre isso.
Ao perceber a potência das palavras do Jamil Chade, autor do livro, pensei comigo: Será que ele toparia uma conversa sobre como as suas mensagens escritas naquela obra estavam chegando nas pessoas?
Essa é uma daquelas perguntas que a gente se faz, pensando que certamente a resposta seria não, visto a quantidade de responsabilidades dele. Mas, pelo sim e pelo não… não custa tentar, certo?
E, para minha feliz surpresa, ele topou! Não só topou como ainda me falou do seu outro e mais recente livro, escrito com Juliana Monteiro , "Ao Brasil, com amor”, que abordo ao final da news.
Espero que essas reflexões e palavras de Jamil e Juliana possam abrir e reflorestar corações e mentes.
Jogo rápido com o autor e grifados no livro:
Possíveis perguntas que você também faria para Jamil Chade depois de ler a obra e um apanhado de trechos grifados durante a leitura.😉
1- Um dos textos que mais mexeram comigo no livro foi o capítulo 13: O LUTO COMO RESISTÊNCIA, escrito em agosto de 2020. Naquela época, chegamos ao total de 100 mil mortos decorrentes da Covid-19. E você traz um olhar sobre a importância de vivenciarmos esse luto coletivo e de transformarmos o luto em verbo para fugirmos de uma falsa normalidade. Sinto que, como sociedade, não vivemos esse luto e, pior, esquecemos as dores que vivenciamos nos últimos anos. O que você acha que faltou?
Jamil: Num país que banalizou a violência e onde a morte de pobres e negros não comove, fazer o luto coletivo como sociedade jamais foi uma realidade do Brasil. Morre-se tanto por omissões como consequência de políticas públicas. A dor faz parte da construção de uma nação forjada na exploração, no estupro, no chicote e na injustiça.
No caso da Covid-19, porém, era tarefa das autoridades ajudar a sociedade a fazer sentido do trauma que se atravessava. E o que foi feito foi justamente o contrário. Ao minimizar a crise, o governo também sufocou qualquer gesto na sociedade de busca por um processo mais profundo de compreensão da perda de 700 mil irmãos, pais e amigos.
Hoje, com o auge da crise superado, entendo que um cidadão queira esquecer tanto sofrimento e olhar para o futuro. Mas colocar uma pedra sobre tantas mortes e simplesmente fingir que aquilo tudo não existiu não é um direito que as autoridades e que a Justiça tenha. Um processo de responsabilização ainda terá de ocorrer no Brasil para que possamos entender e fazer devidamente o luto em relação a tantas mortes.
Por aqueles que não sobreviveram e por aqueles que ficaram chorando, temos o dever de exigir das autoridades que tal trauma coletivo não passe impune. Essa é a maior homenagem que podemos fazer às vítimas.
Tal gesto ajudaria a sociedade a se reconciliar. Sem anistias, mas com Justiça. E entender que morte do outro é, em parte, uma perda de todos.
Grifei no livro: “Hoje, a nação precisa ter coragem de declarar seu luto coletivo e assumir que a morte do outro é, em parte, uma perda de todos.”
2- O capítulo 8: O AMOR: A VACINA DA RESISTÊNCIA CONTRA A ERA DO ÓDIO foi outro artigo que mexeu demais comigo e com os leitores da travessias. Em diversas conversas que tive sobre o texto, percebi que existe um sentimento de compreensão das ideias, mas que está misturado a um sentimento de utopia, muito distante da realidade atual…
Imagino que você vivencia na prática alguns exemplos dos três princípios fundamentais que comenta que deveriam ser base da insurgência das consciências. Uma educação que contemple:
Incentivo ao cuidar
A busca pela tolerância
Novas formas de justiça
Você pode trazer alguns exemplos em que tenha vivenciado esses princípios? Isso pode nos ajudar a perceber que a utopia não está tão distante assim.
Jamil: Incentivar o cuidado é buscar uma forma concreta de não se permitir a desumanização da sociedade. E isso se aprende, da mesma forma que aprendemos a odiar. Talvez por ter crescido numa família de médicos, a dor do outro foi sempre motivo de conversa e de preocupação na hora do jantar.
Tenho a impressão de que tal caminho só pode acontecer com a revisão das nossas bases de educação. Tão importante como estudar tabuada deveria ser a compreensão, por exemplo, do que um refugiado atravessa quando cruza fronteiras, enfrenta um mar e sobrevive a bombas. Numa cidade, ainda é fundamental que essa educação transforme tudo o que é público em um bem de todos. E não de ninguém. Isso é o incentivo ao cuidar.
Está cada vez mais provado na ciência que a verdadeira história em uma floresta não é a sobrevivência do mais apto que, no capitalismo, se transformou na vitória do mais forte. Estudos têm revelado que a sobrevivência da floresta depende da cooperação entre as espécies. E não da concorrência. Cuidar, no fundo, não é um gesto de generosidade. Mas de sobrevivência.
Já a busca pela tolerância é, no fundo, o ato de entender a história da outra pessoa e, assim, compreender que sua visão jamais será a tua. A tolerância é um gesto de humildade e de capacidade de escuta. Passei meus últimos 22 anos percorrendo os corredores da ONU, em Genebra. Impossível não se deparar todos os dias com um costume, uma atitude, um jeito de segurar o garfo e palavras diferentes daquelas que eu uso. Sempre que o diferente não significar uma violação de direitos humanos ou violência, ele faz parte da riqueza do planeta. E precisa ser preservado.
E, por fim, as novas formas de Justiça precisam caminhar junto com a luta contra a impunidade. Será que toda a ilegalidade é mesmo combatida com uma pena de prisão? O uso daquela pessoa numa comunidade carente não teria um impacto maior para reformar o cidadão? E mesmo dentro de uma prisão, a Justiça não vem da humilhação. Mas da garantia da dignidade para que, uma vez superada a pena, a busca daquela pessoa seja por uma nova vida. E não uma revanche contra a sociedade.
Não se trata de uma opção ingênua. O crime deve ser combatido, com todas as forças dentro do estado de direito. Mas será que o atual modelo tem nos levado a uma sociedade mais justa, com menos crime e mais pacífica?
Essas perguntas que o Jamil trouxe me fazem lembrar Daniel Wahl, autor de Design de Culturas Regenerativas, quando oferece um capítulo inteiro para abordar a importância de nos dedicarmos a fazer as perguntas certas. Segundo Wal, é preciso viver as perguntas.
Me parece que essas perguntas que Jamil trouxe são boas perguntas para se viver.
3- Ainda que os artigos apontem para uma realidade extremamente dura, sinto que a obra faz um chamado para que os leitores arregacem as mangas. Um chamado à ação com esperança ativa. O que te faz manter as esperanças em tempos caóticos? E o que você diria para aqueles que estão apáticos e desesperançosos?
Jamil: O que permite que o ódio circule é a apatia. O que permite que a destruição da democracia avance é a apatia. É sempre mais fácil odiar, de seu sofá, do que levantar e construir. Mas o ingrediente fundamental para vencer a apatia é a indignação. Quando perdermos isso, então não haverá mais luta para ser travada.
Então, como não sufocar a indignação? Transformando cada injustiça de uma pessoa na injustiça para todos. Transformando a violência contra uma criança em uma violência contra todas as crianças. É fácil? Certamente não. Mas a outra opção é entregar aos nossos filhos uma realidade ainda mais difícil.
Papo vai, papo vem… comentei que estava louca para ler o seu mais recente livro, escrito com Juliana Monteiro, “Ao Brasil, com amor”, da Editora Autêntica. E não é que ele, generosamente, me enviou o livro?
Eu, que não sou boba nem nada, comecei a devorar a obra e comprovei minha intuição:
Um livro dolorosamente bonito, potente e necessário!
Uma obra que me lembrou que dá para se indignar com as barbaridades do mundo, sem perder o encantamento e o afeto por ele.
Trata-se de trocas de cartas entre os jornalistas Jamil Chade e Juliana Monteiro, ambos residentes na Europa – ele em Genebra; ela, em Roma – entre setembro de 2021 e julho de 2022. As correspondências mostram as inquietações, expectativas e incertezas do momento histórico de transição em que vivemos.
Nessas cartas, eles compartilham impressões sobre temas que vão das injustiças e contradições da sociedade à preocupação com a situação sociopolítica do país e do mundo.
Empolgada com o que li, pensei que seria justo compartilhar com a comunidade que está na travessias essa outra indicação de livro. Conversei com a Juliana, que também foi MUITO generosa e topou dedicar algumas horinhas do seu tempo por aqui.
Para mim essa é a melhor forma de apresentar um livro a alguém. Apresentar seus autores. Então vamos ao papo com Juliana Monteiro sobre Ao Brasil, com amor.
1- Pode contar um pouco sobre a dinâmica e como surgiu a ideia do livro? O título já era esse desde o início ou ele veio depois que vocês perceberam o teor do conteúdo das cartas trocadas?
Juliana: Eu e Jamil éramos leitores um do outro e eventualmente conversávamos pelas redes. A pandemia, ironicamente, nos aproximou. Temos coisas importantes em comum. A mesma profissão, filhos com a mesma idade, o desterro, a língua materna, a saudade e, no momento, a mesma preocupação e revolta com as circunstâncias do Brasil.
Um dia ele disse que precisávamos escrever alguma coisa juntos e veio com a ideia da correspondência. Eu escrevia sobre o que estava vendo e sentindo naquele momento, ele respondia com o que pensava sobre o assunto e vice-versa. Não combinamos os temas, não participamos do processo de escritura um do outro, nem sequer nos conhecíamos pessoalmente. Então, de certa forma, estávamos nos apresentando também.
O título do livro é o nome da coluna na Revista Pessoa onde publicamos, por quase um ano, as cartas. Foi escolhido pela Mirna Queiroz, editora da revista, de uma lista feita pelo Jamil. Eu gosto dele porque nos obriga a falar de amor já na porta. E o amor anda perigosamente desprestigiado.
2- A última troca de cartas foi escrita em julho de 2022 e eu senti que é uma síntese de tudo que percebi durante a leitura das outras cartas. Um mix de sentimentos a cada parágrafo. Sinto que, assim como “LUTO”, o “Ao Brasil, com amor” dá um chacoalhão nos leitores, mas também faz um chamado à ação com esperança ativa. Então, quero perguntar a você, o mesmo que perguntei a Jamil: O que te faz manter as esperanças no Brasil? E o que você diria para aqueles que estão apáticos e desesperançosos?
Juliana: A fonte da minha esperança não está no Brasil. Para ser sincera, jamais fui tão descrente em relação ao país e também a nós, os brasileiros. Porque não é possível tolerar por tanto tempo o intolerável que nos abateu desde o golpe contra a presidenta Dilma e nos trouxe até aqui, ao fim do primeiro mandato de um governo criminoso. Não temos sido capazes de impedir nem o desmonte do Estado, nem a destruição da brasilidade, nem os crimes.
Se mantenho os olhos no horizonte da utopia é porque quero. A fonte da esperança é meu desejo de ver o Brasil mudar. Esperança porque não há outra alternativa que seja bonita e que faça sentido. Esperança porque a gente morre rápido demais e, enquanto isso não acontece, é preciso passar bem. Há quem consiga fazer isso indiferente à tragédia em volta. Para esses, Saramago escreveu:
“se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu fizeram-no de carne, e sangra todo dia”.
O meu é dos que se comovem também.
Acho que a apatia, em maior ou menor grau, abateu todos nós ou Bolsonaro não teria terminado esse mandato de destruição. A favor da luta temos a tensão produzida entre a maravilha de estarmos vivos e o inconveniente de que é por pouco tempo. É preciso fazer sentido, ajudar na construção.
“Mas a esperança, essa espera com asas, é que já começamos a inventar a roda também pelas redes, às cotoveladas com fake news, algoritmos e discursos odientos. Aqui e ali, aqui e aí, produzimos beleza, cultivamos afeto, organizamos a revolta. Talvez a revolução possível passe mesmo por aí. Mas antes - ou durante e depois - deve passar pelas ruas, pelas rodas, pelas fossas. Pelas luas, pelas lutas. Pelas urnas.”
- Juliana Monteiro (Ao Brasil, com amor)
Fez uma pausa reflexiva por aí também? Que bom foi ter cruzado a potência dessas palavras.
Sobre os autores:
O que reverberou da travessia #2:
→ O Ygor Sarkis lembrou desse trecho importante do livro de bell hooks, o Tudo Sobre o Amor. Achei bonito pensar como as nossas referências estão sempre se entrelaçando. Isso me diz, de alguma maneira, que estamos ocupando o mesmo tempo e espaço.
→ Alguns amigos me lembraram de um vídeo-poema que fiz no final de 2021… Uma memória de um tempo difícil, mas são em tempos duros que podemos nos lembrar sobre o que importa de verdade, não?
Que, neste final de semana, possamos agir com amor e nos lembrar do que realmente importa.
Em novembro (também conhecido como semana que vem) volto com outro tema para atravessarmos juntos.
Vamos?
Não deixe de comentar sobre como tudo isso tem reverberado por aí, tá? Queremos trocas! Muiiitas trocas, lembranças de textos, emoções e sensações. Escreva nos comentários, responda o e-mail, manda um áudio.. como preferir! ;)
Se essa travessia fez sentido para você, compartilhe para que chegue em novas pessoas. O caminho é sempre melhor quando bem acompanhado.
“Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo.”
A famosa frase de Saramago ficou me rondando nas últimas semanas. Talvez, porque essa seja a tônica de tudo que escrevi, li e vivenciei no mês. Ficou faltando no último episódio do li, grifei, compartilhei, mas não podia faltar por aqui. 😉
Reflexão mais que necessária! Acalmou meu coração e me encheu de esperanças para o futuro próximo. Amo seu trabalho!