📚te indico um livro #2: LUTO- Reflexões sobre a reinvenção do futuro
Preciso confessar uma coisa: eu mudei a indicação do livro do mês nos 45 minutos do segundo tempo.
Explico: quando pensamos no formato da newsletter travessias, decidimos que iríamos trabalhar com um grande tema no inicio do mês que serviria como um guia condutor para os desdobramentos das semanas seguintes. Ou seja, a seção te indico um livro, dialogaria com o tema da travessia enviada na primeira semana do mês.
Eis que o tema de outubro foi escolhido: confiança no tempo profundo. Há algumas semanas, o refrão da música Sol na Cara, do Guilé, ecoava em minha mente: “o que é da natureza não cabe a você". Então, já fazia um tempo que um texto otimista e confiante queria brotar de mim. E brotou na última semana de setembro: Confiar no tempo das coisas.
Corta para o dia 02 de outubro de 2022.
E eis que no primeiro domingo de outubro, vi todo meu otimismo e confiança se dissolvendo e correndo para o ralo da pia enquanto lavava as xícaras de café e ouvia a contagem de votos que me revelava uma sociedade mais conservadora e retrograda do que eu poderia conceber.
Ver ex-ministros de um governo que trouxe tantos retrocessos para o país sendo eleitos junto a uma onda de extrema-direita me revirou o estômago e me fez questionar se realmente estava acontecendo uma evolução.
Então a Juliana, minha amiga que acompanhava esse momento comigo, levantou do sofá e bateu o olho em um livrinho pequeno- e que nem chama muito a atenção… Abriu na página que estava marcado e disse: olha isso! E seguiu lendo em voz alta:
“Vivemos uma era de tensão, de incerteza, na qual o ódio é um instrumento que ganhou legitimidade para uma parcela da população e os charlatães.
Mas a verdade é que recusar o amor no centro do debate nos custará caro demais. O preço pago por um mundo sem esse amor é insustentável. A insistência em recusar tal conceito dentro da política ou da comunidade não apenas nos torna insensíveis, mas também tenho a convicção de que nos impede de tomar as decisões mais sustentáveis. Sem amor, nossos esforços para nos liberarmos da opressão - seja ela qual for - estão fadados ao fracasso.”
–Jamil Chade.
“Ju! Você acabou de escolher o título do te indico um livro desse mês!”
Confiar no tempo das coisas é confiar nessa sincronicidade dos acontecimentos. Naquele momento eu tive certeza de que o livro que eu traria para o foco não seria aquele que falava sobre desacelerar para limpar o olhar, mas sim esse que fala sobre o LUTO como processo para reinventar o futuro. Porque essas mudanças (individuais e coletivas), que a gente tanto procura, passam por processos lentos, gradativos de muita depuração.
Luto: Reflexões sobre a reinvenção do futuro é um pequeno (de tamanho) e grande (de reflexões) livro publicado pela Editora Contracorrente e escrito por Jamil Chade, escritor e jornalista correspondente na Europa, especializado em coberturas internacionais.
A obra é uma reunião de artigos e reportagens escritos e publicados no jornal El País e na UOL, durante a pandemia. Mas não é um livro sobre a pandemia. É um livro sobre nós, humanos, sobre dores, sobre olhar para o luto como parte fundamental para a luta e sobre um futuro que precisa ser reinventado.
É no capítulo 13, intitulado de “O LUTO COMO RESISTÊNCIA”, que o autor fala sobre como esse processo de não nos permitirmos viver a dor está nos custando caro demais como sociedade. O luto, ao logo dos séculos, era vivido, ritualizado, era de uma comunidade. Fazia parte de um processo longo, antes de se instaurar a continuação da vida dos que ficam.
Será que estamos dando o tempo suficiente para vivermos os tantos lutos que estamos atravessando individualmente e coletivamente?
“Recuperar a ideia de um luto coletivo é o primeiro passo para dizer que não aceitaremos a fatalidade da crise. O luto por aqueles que não resistiram às falências do Estado. O luto por escolhas equivocadas."
Confiar no tempo das coisas é também nos permitir sentir as dores de um mundo em colapso que nos pede para parar e chorar sobre seus ossos. E é impossível falar sobre esse tema sem trazer outro livro para a conversa: Esperança Ativa- Como Encarar o Caos Em Que Vivemos Sem Enlouquecer, publicado pela Bambual Editora.
Para responder a pergunta do subtítulo do livro os autores, Joanna Macy e Chris Johnstone, dedicam um capítulo inteiro sobre a importância de não fugirmos da dor. O nome do capítulo é: Honrando nossa dor pelo mundo. Eles argumentam que a apatia que vem tomando conta de várias sociedades é fruto de uma inabilidade de olharmos para aquelas coisas que nos fazem sofrer. Não queremos olhar para assuntos difíceis e complexos por falta de capacidade para lidarmos com esses sentimentos que nos paralisam. “Vida que segue” é o lema da vez. Resta saber: qual vida?
Por que viver as dores do mundo pode catalizar um processo de esperança?
Porque aqui estamos falando de uma esperança ativa, aquela que não espera por algo, mas é movida pela ação. Como Joanna e Chris trazem: “se sentíssemos a dor da perda cada vez que um ecossistema fosse destruído, uma espécie exterminada, ou uma criança morta por guerra ou fome, não conseguiríamos continuar vivendo da maneira como vivemos.”
É sobre isso o livro de Chade. Um chacoalhão que nos leva a sentir dor e uma dor que nos faz repensar se devemos continuar agindo da mesma velha maneira. Apesar de muitos dos textos agirem como um verdadeiro soco no estômago, de alguma forma, o contexto de todos eles colocados naquelas páginas, nos devolve a esperança.
Destaco duas falas de pessoas distintas que ao lerem a obra de Chade, também encontraram no luto um caminho para recuperar a esperança que não é passiva, mas sim revolucionária, como dizia o educador Paulo Freire.
Jamil Chade nos ajuda a manter a coragem de lutar e sonhar, indignados, mas com a esperança teimosa, que insiste em não desaparecer.
– Pe. Júlio Lancellotti (prefácio do livro).
“Através dos fatos, este livro acredita no que há de humano em nós, sem deixar de reconhecer nossos tantos descaminhos como semelhantes. Esse textos têm em si um chamado para que nada do que andamos passando e ainda vamos passar, por conta da pandemia e do momento politicamente retrógrado, seja por nada. Jamil nos dá a balsâmica sensação de não estarmos sós. (…) Ter esses textos ao alcance das mãos tem também um papel de memória e escudo contra tantas desesperanças!
– Zélia Duncan (quarta capa do livro).
Naquele domingo, eu vivi um novo luto. O luto de perceber que aquele meu imaginário de país já não existia mais.
Então, antes de me despedir, eu deixo uma pergunta:
O que você enluta hoje?
Se sentir de compartilhar, deixe nos comentários. Quando desprivatizamos a dor, nós contribuímos para que ela não seja vista como um sintoma de uma patologia individual e damos espaço para viver essa dor coletivamente. Eu acredito que esse seja o primeiro passo para curarmos as feridas coletivas.
No próximo e-mail do te indico um livro, vou compartilhar mais sobre a obra e trazer o capítulo que mais mexeu comigo, o 8: O AMOR: A VACINA DA RESISTÊNCIA CONTRA A ERA DO ÓDIO.
Mas, por enquanto, você pode ficar com um gostinho de quero mais com esse vídeo do Jamil Chade sobre o livro:
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Caracaaaa!!! Obrigada!
Temos muitos outros e eu vivo hoje alguns tão pessoais e coletivos... Da política, do país que queria, das realidades de igualdade, e mais latente do casamento... Que certeiras suas reflexões. Precisas pra esse momento onde busco não pular de fase, sentir a dor para, justamente, me libertar e crescer e assim levar comigo/contaminar os que me cercam. Na esperança de propagar esse sentimento sermos maioria!
Mas pra isso precisamos do luto... E não é fácil permitir esse lugar ... Obrigada pelas reflexões, pelas dicas e pela esperança! Vamos juntas que somos mais fortes! E assim podemos descansar, sem perder a força.
Grata por esse presente! Momentos de profunda reflexão e respiração em meio aos e-mails caóticos do dia.