Hoje é dia 06 de outubro de 2022. Mais da metade do ano já passou e faltam apenas 87 dias para o ano acabar.
Calma.
A intenção de começar esse texto com essas informações não é acelerar seu coração, nem fazer você pensar que está em atraso com alguma coisa. A intenção é oposta: o desejo é que você possa reconhecer essa possível pressa e consiga desacelerar, confiando no seu próprio tempo e no ritmo natural no universo.
Então, antes de continuar essa leitura, tenho um convite: alinhe suas costas, feche os seus olhos e dê uma respirada profunda…
Respirou? Agora, sim… Eu prometo que vou tentar não me alongar para não roubar muito do seu tempo. 😉
Eu sei que, muito provavelmente, você faz parte da imensa parcela de pessoas que sente que está atrasada, que o tempo está voando, que quase fica sem ar ao perceber que faltam apenas 86 dias para o calendário gregoriano virar pela 2023ª vez.
Quando parei para fazer essa contagem percebi que meu maxilar deu uma leve travada, os ombros ficaram tensionados e uma gargalhada tomou conta do meu corpo: "Meu Deus, como assim? Parece que foi ontem que eu pulei as 07 ondinhas, enquanto intencionava um ano sem pressa, sereno e abundante, ao som de uma roda de coco." Após a gargalhada de nervoso me veio o impulso de olhar para o que tinha concretizado durante o ano…
Passado o susto, eu me lembrei: não é nesse tempo que quero viver. Definitivamente, não quero olhar para os meus dias com esse olhar comum da sociedade pós industrial, que mede a felicidade pelas conquistas e que busca, cada vez mais, resultados imediatos. Nós criamos muitos robôs e mecanismos de respostas rápidas, mas esquecemos de uma coisa fundamental: nós não somos robôs. Ainda que, muitas vezes, estejamos agindo como.
Como Joanna Macy diz, eu quero habitar outro tempo. Viver um tempo profundo.
Mas como ter calma em um mundo que nos pede urgência?
É TUDO PRA ONTEM! Canta Emicida e eu concordo. O planeta, em colapso, tem nos pedido uma urgência enorme de mudanças internas e estruturais, mas é preciso atenção para não cair em uma pegadinha…
Por isso, trago Joanna Macy para esse texto. Veja, Joanna é ativista socioambiental há mais de 5 décadas, ecofilosofa e estudiosa do budismo e da ecologia profunda. No alto de seus 93 anos sabe, como poucos, a urgência que precisamos parar transformar nossas ações. Mas ainda assim, ela nos alerta sobre a necessidade de não cairmos nesse padrão de pressa, que é justamente um dos sintomas que precisamos combater –quando pensamos na saúde planetária. E ela dedica um capítulo inteiro no seu livro Esperança Ativa chamado: Uma visão mais ampla do tempo.
“Quando tanta coisa precisa ser feita para tratar de nossa crise planetária, a velocidade é necessária. Ao mesmo tempo, existe uma grande diferença entre escolher ir mais rápido quando ao fazê-lo se gera benefício de forma genuína, e ser pego em uma padrão de pressa por causa do hábito ou da demanda.
-Joanna Macy e Chris Johnstone
Quando falo que quero viver em um tempo profundo não é sobre abrir mão dos meus desejos (individuais e coletivos) nem sobre relaxar ao ponto de não colocar a mão na massa para que eles aconteçam. É sobre relaxar na incerteza, no desconforto e confiar nesse tempo profundo da natureza, que é bem diferente desse tempo de máquina que estamos acostumados a medir.
Têm coisas que não tem como apressar: A cura, a semente de girassol plantada na semana passada, o processo psico-análítico, a transição de modos de vida de toda uma sociedade, a escrita de um livro, o amor, a chuva, a poesia, a primavera…
Têm coisas que levam seu próprio tempo. E quando a gente vê, de repente, como um espanto… acontecem! O refrão da música Norte, do Posato, não sai da minha cabeça desde o dia em que ouvi pela primeira vez. Porque ele fala desse espanto de quando as coisas acontecem, parecendo ser do nada:
🎶
“As coisas acontecem de uma hora pra outra
Mesmo que demore a vida inteira para acontecer”
“Foi assim, de repente, que o bebê começou a dar seus primeiros passos.”
“Foi de uma hora para outra que a cantora fez sucesso!”
“Foi do nada que o primo do amigo fez uma grande mudança de vida”.
Essas são algumas coisas que parecem acontecer do nada. Mas o bebê teve inúmeros tombos, a cantora recebeu inúmeros nãos, o primo do amigo se sentiu andando em círculo por anos, quando na verdade, estava em espiral.
Essas são coisas, sutis e profundas, que quando olhadas de fora podem parecer estar em um processo estagnado, mas que se pudéssemos analisar com uma lupa veríamos o processo acontecendo, passo a passo… Como aqueles vídeos que mostram uma planta nascendo em uma estrutura de vidro, que permite enxergar o que acontece dentro da terra. Na superfície do vaso nada se vê, mas debaixo da terra há raízes crescendo exponencialmente, primeiro para baixo e depois para cima… até cruzar a última camada de terra. E quando cruza essa camada é um espanto!
A flor, finalmente, está nascendo!!!
Não, não… A flor estava nascendo desde o momento em que a semente foi plantada…Dia após dia, ainda que não pudéssemos enxergar isso.
Então, meu convite, neste 279º dia do ano é para que você olhe para os seus próprios processos com afeto. E que olhe para os processos evolutivos do coletivo com esse afeto também. Que continue cultivando as sementes plantadas, que continue colocando água, adubo, paciência e podando aquilo que que precisa ser compostado. Ainda que pareça que nada está acontecendo… confie no tempo profundo das coisas sutis!
Há muita evolução que não podemos enxergar a olhos nus.
Meu desejo para o finalzinho desse ano gregoriano é que eu consiga enxergar o tempo não mais como vilão, mas como um caminho. A seguir separei alguns conteúdos que podem nos ajudar nessa missão. Tem vários presentes. :)
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Um apanhado de materiais que cruzei no mundo digital e que vale a pena compartilhar para você também abrir, ler e salvar nos favoritos. ;)
→ Um livro que funciona como uma máquina do tempo: No final do ano passado, a Bambual Editora publicou o Cartas Para As Crianças do Futuro, um livro com cartas escritas por diferentes pessoas e que honra a tradição indígena Hopi, de pensar nos impactos que as ações de hoje podem ter daqui a sete gerações. Um presente para os descendentes, afinal, somos todos ancestrais de alguém. Baixe e leia o livro aqui.
→ Quanto Tempo o Tempo Tem? Um documentário nacional que investiga a concepção de tempo para diferentes civilizações e porquê alguns parecem nunca ter tempo suficiente. Disponível na Netflix.
→ Tempo Chronos X Tempo Kairós: Uma animação com resumo rápido da diferença entre os tempos, feita por Daniel Wildt. Assista aqui.
→ Uma carta ao tempo Kairós: Um vídeo poema que fiz em 2020, mas ainda ressoa em mim. Assista aqui.
→ Para apreciar o tempo profundo: Um vídeo em time-lapse que mostra o desenvolvimento de uma planta. Assista aqui:
→ A vida sem Instagram nos dá mais tempo? Como um período sem Instagram devolveu tempo, presença e atenção para Talissa Monteiro:
Como diria Gal, tudo é divino, tudo é maravilhoso…Mas é preciso atenção ao dobrar as esquinas. Um resumo de notícias que precisamos nos atentar e agir:
→ É possível que, depois dos resultados da eleição que aconteceu neste último domingo, você pense que estamos retrocedendo. Afinal, um número expressivo de representantes conservadores e de ultra direita foi eleito. Mas, lembra que têm coisas que não enxergamos a olho nu? A Bruna Olliveira trouxe 5 razões para evitarmos o derrotismo! Se você está precisando dessa lupa de lucidez, vem cá ouvir!
→Já passou da hora de aprendermos a dialogar sobre temas políticos, certo? Tivemos uma educação emocional para isso? Acredito que a maioria não… Alex Castro preparou um guia-resumão com principais pontos para tornar as conversas mais frutíferas e evitarmos o retrocesso:
O mundo não precisa de mais produtos ou negócios que não impactem positivamente o planeta. Muito pelo contrário, estamos é precisando de negócios que resolvam os problemas que a sociedade causou até aqui. A boa notícia? É que já tem uma porção deles surgindo e atuando. Trago aqui um apanhado para que cada um possa se inspirar e apoiar essas novas formas de estar no mundo.
→ Já ouviu falar em CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura)? O modelo de CSA une agricultores e consumidores com um novo olhar para a agricultura familiar e orgânica. A ideia é que os consumidores sejam co-responsáveis pela produção, assumindo e apoiando os riscos junto com o agricultor. Um dos inúmeros benefícios do modelo é que nos ajuda aprendermos a respeitar o tempo das estações e de cada alimento.(Pois é, infelizmente, não se pode ter abacate o ano todo, de um jeito orgânico e regenerativo). Em São Paulo eu recomendo a cesta da Fazenda Santa Julieta Bio e no Rio de Janeiro a Organicamente. Quais você recomenda na sua região?
→ Mandala Lunar para redescobrir o próprio tempo: Um diário que se organiza a partir da união do calendário solar, lunar e da menstruação. E com isso nos ajuda criar uma maior conexão e percepção dos ciclos que se manifestam na natureza dentro e fora de nós. Conheça mais aqui.
→”Aprendi muito sobre o tempo com a fermentação dos queijos veganos”, foi o que me disse a Raquel que está à frente da Queijaral, a mais nova pequena produtora de queijos veganos, fermentados, curados e artesanais. Que bom seria viver em um mundo com mais artesanias do que processos industrializados, não? Além da qualidade, do sabor e da energia vital dos alimentos, o tempo seria outro…
Para ficar com água na boca…
Sou do time que lê muitos livros ao mesmo tempo e, vez em sempre, abro um livro já lido só para ver alguma parte que grifei no passado. Trago aqui um pouco daquilo que grifei, pois existem trechos que são faíscas e podem despertar uma grande combustão.
“Temos de abandonar a percepção que tanto ouvimos: 'Que mundo deixaremos aos nossos filhos?’. Nada disso. O real desafio é nos fazermos uma pergunta mais desafiadora que essa: ‘Que geração vamos deixar no mundo?’ - Jamil Chade, Luto: Reflexões sobre a reinvenção do futuro.
O trecho acima é um esquenta para o segundo episódio do podcast #Li, Grifei, Compartilhei, que sai na semana que vem.
Além de Jamil Chade, aparecerão por lá: Joanna Macy, Wisława Szymborska, Khalil Gibran, Fernando Pessoa e outras inspirações...
Enquanto ele não vem, que tal escutar o primeiro episódio aqui?
Há quem diga que as poesias são inúteis, sem função. E, talvez, em uma sociedade utilitarista, a poesia não tenha função mesmo. Mas, como diz Ailton Krenak, “a vida é inútil”. Então, para mim, a poesia é a celebração dos dias inúteis, das horas de contemplação da vida na sua forma mais pura. A poesia me atravessa todos os dias. Algumas cruzam meu caminho como uma carta de oráculo me pedindo alguma coisa, espero que esse te peça algo também.
Seiscentos e sessenta e seis
Por Mario Quintana
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
Mario Quintana em Nova Antologia Poética.
No livro Esperança Ativa, Joanna Macy e Chris Johnstone propõem um exercício que nos ajuda a habitar o tempo de outra forma. Eles incentivam que o leitor faça uma meditação para se conectar com um ser do futuro e depois disso escreva uma carta sob essa perspectiva.
O que um ser que estará habitando esse planeta daqui a 200 anos te diria?
Se sentir de compartilhar, escreva nos comentários, abra um fórum aqui no substack, responda por e-mail ou use #travessias002 no Instagram pra gente poder se reconhecer.
Todo mês uma playlist que inspirou a escrita dessa newsletter.
Essa seleção de músicas começa com um poema de Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa) e me fez mergulhar num tempo profundo. Espero que convide você para esse mergulho também.
A sugestão é que você comece a ouvir de olhos fechados e corpo deitado e depois sinta para onde seu corpo quer te levar.
Essa é uma pergunta que costumamos fazer ao fim das reuniões da Bambual Editora. É uma ferramenta utilizada pela Teoria U e outros métodos de gestão de pessoas e projetos e se chama check out, ou no bom português: saideira!. É uma boa ferramenta para fazer consigo mesmo e checar como você se sente em relação a variadas situações: encontros, leituras, andanças, trabalhos…
Então, para encerrarmos esse caminho, me conta: como você está a sua respiração depois dessa travessia?
Essa foi a travessia de outubro de 2022.
Nas próximas semanas você receberá conteúdos complementares e mais curtinhos.
Quer saber mais sobre a newsletter travessias? Explicamos o intuito dela aqui.
Ainda não leu a travessia #1: Sagrado é Tudo? Leia aqui.
Se ainda não fez sua inscrição, aproveite para deixar seu e-mail abaixo e não perder as próximas.
travessias é uma newsletter interativa idealizada por Bruna Próspero Dani e co-realizada pela Bambual Editora, que é dedicada a publicação de livros e projetos para a transição global.
Que honra e surpresa quando me vi aqui nessa newsletter tão linda que já estava me revirando. Tenho pensado muito nesses últimos dias sobre a pressa de ações coletivas que precisam acontecer pra ontem e., paradoxalmente, o fato delas pedirem muita calma de nós para ver o que precisa ser visto e deixar nascer o que quer nascer. Também quero habitar esse tempo profundo ✨
Esse é um tema que sempre habita meus pensamentos. Me questiono constantemente sobre muitas coisas e todas elas ligadas a esse tal de tempo. Quase sempre me sentindo atrasada, e muita vezes conseguindo refletir com calma, respirar e me sentir consciente, conseguindo estar no tempo presente e apreciar. Esse texto clareou muito esses pensamentos todos.