A história da humanidade é absolutamente fascinante.
Ao longo dos tempos vivemos de muitas formas nos quatro cantos desse mundo. Acreditamos em diferentes visões, desenvolvemos múltiplas habilidades e ferramentas.
Há alguns séculos, muitos de nós passamos a ver o mundo através da lente mecanicista, convencidos de que a natureza e o cosmos funcionam como máquinas.
Atualmente, a visão futurista aponta para o contrário: para a transformação das máquinas em organismos, e para a fusão de ambos. Estamos convivendo com saltos tecnológicos que acontecem em ciclos cada vez mais curtos e com potência ampliada. Tudo acontece em alta velocidade e é difícil acompanhar.
Em pleno 2023, um dos temas mais presentes em diferentes mídias e mesas de bar é a Inteligência Artificial (IA). Sem dúvida um dos assuntos mais pertinentes da atualidade, junto com a Emergência Climática. Curiosamente ou não, ambos sofrem com a negligência de não terem recebido, nem receberem a devida atenção pela sociedade e pelos órgãos responsáveis.
Enquanto coletivo humano, subestimamos, nos dois assuntos, as conclusões de pesquisadores e estudiosos a respeito dos impactos e efeitos da tecnologia em nossas vidas e no sistema planetário.
A IA e a aceleração do tempo
Falar sobre inteligência artificial e relações é algo complexo e profundo. Um desafio sintetizar o assunto para caber no tempo de leituras rápidas. No entanto, o tema convida a desdobramentos que não caberiam em um texto curto. Então, estendo esse convite a você, para que mergulhe comigo em uma leitura que -sim- vai levar mais de 2 minutos.
É fato que a revolução tecnológica e a invenção da Internet transformou, de forma acelerada, nossa realidade, nossas relações intrapessoais, interpessoais, sociais, econômicas e ecológicas (e nem vou entrar aqui em nanotecnologia ou manipulação genética, estimulantes, medicamentos e outras áreas da ciência que, simultaneamente, colaboram com toda essa mudança que experimentamos).
Do telefone fixo com fio ao sem fio e, logo depois, ao celular, ao smartphone e à aceleração dos áudios – reflexo da aceleração da própria pressa existencial. Pressa para que?
E também do canal aberto ao canal fechado, e logo depois, ao streaming e tudo mais que veio junto com a internet, redes sociais e os diferentes dispositivos de acesso.
Cada uma dessas mudanças repercutiu em nossa forma de estar e nos relacionarmos com o mundo. Se, antes, tínhamos que combinar ou dar a sorte de achar uma pessoa ligando para o telefone fixo de sua casa; hoje, ligar sem avisar é quase falta de educação. Se, antes, aprendíamos a nos organizar para assistir aos programas que gostávamos, ou aprendíamos a lidar com a frustração de termos perdido algo que queríamos ver na TV; hoje, temos tudo disponível em poucos cliques, a qualquer momento, viciando crianças (e adultos) ao imediatismo e a não saber lidar com a frustração ou com o tédio.
Que impactos e transformações aconteceram em nossa cultura – em nossas vidas e relações – por conta dessas novas invenções?
Para as crianças, ainda não temos clareza de todos os efeitos, mas, a cada dia, novos estudos apontam para a interferência negativa do excesso de tecnologia no desenvolvimento cognitivo, emocional e intelectual das novas gerações. Afinal, quais os efeitos na vida de uma pessoa que, desde os primeiros meses, recebe um celular/tablet para manusear toda vez que começa a chorar? Ou toda vez que vai comer? Não é raro vermos os pais/cuidadores optarem por essa estratégia de distração de seus pequenos.
Olhar para dentro de uma tela com imagens em movimento, cheia de luz, reduz a nossa visão periférica, reduz a nossa capacidade de ver o mundo. O relacionamento com objetos que fazem tudo sozinhos, tornam as crianças meros observadores e não mais agentes ativos. Quais os impactos disso?
Quais os efeitos na vida das crianças que se sentem negligenciadas e preteridas por seus pais/cuidadores, que, por sua vez, também estão conectados o tempo todo?
Quais as consequências de termos acesso ilimitado a tanta informação superficial e acelerada?
Proporcionalmente ao problema, a lista de perguntas é enorme, e a toda hora vemos pipocar novas notícias sobre os desafios enfrentados pelos jovens nativos digitais.
Destaco um estudo apresentado pelo neurocientista Michel Desmurget, o qual aponta que, pela primeira vez na história, os filhos estariam exibindo QI inferior aos pais. E isso já aconteceu antes da democratização de programas generativos - que 'criam' textos e imagens.
A humanidade levou milhares de anos para desenvolver a escrita e a capacidade de se expressar em forma de texto, e de compreender e interpretar o que estava escrito. Hoje, sabemos que os jovens, acostumados a digitar e ler frases curtas, entremeadas de abreviações e emojis, raramente leem livros, pois acham os textos chatos e difíceis. Isso é, estão perdendo uma habilidade que demoramos muito tempo para desenvolver e, em breve, estarão delegando a tarefa de escrever e interpretar a programas de IA…
Quais as consequências dessa perda de habilidade para as gerações futuras?
Inteligências artificiais x humanas
O reconhecido neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis tem levantado diversas questões instigantes sobre a IA, tanto que está citado também, na coluna de abertura dessa travessia: Reflexões sobre as inteligências artificiais e na coluna da
: “Um futuro inteligente só a natureza poderá oferecer”.Entre muitas coisas, Nicolelis fala sobre a transformação do nosso processo evolutivo, no qual, na busca pela sobrevivência, desenvolvemos nossa capacidade analítica, nossa solidariedade e diversos sentimentos e emoções que descreve como não computáveis. Ele chama a atenção, também, para o fato de que as pessoas estão se tornando cada vez mais hedonistas, ao mesmo tempo em que acontece uma severa redução de nossa solidariedade e do pensamento de longo prazo. Por fim, fala da plasticidade de nosso cérebro, e de o quanto a falta de alguns tipos de estímulos podem reduzir nossas capacidades e atrofiar nossas habilidades cognitivas. E o mais triste, finaliza, é que, por ignorância, isso estaria acontecendo de forma voluntária.
Hoje temos bons exemplos do poder deletério das manipulações realizadas através de fake news em grandes grupamentos humanos. Ao mesmo tempo, não temos ideia dos 'espaços' e possibilidades que vamos abrir em nossas vidas quando muitas das ações 'mecânicas' que fazemos forem substituídas por IA.
Confesso que sinto falta de versões de histórias que projetem um futuro auspicioso para a humanidade, pois a maioria dos filmes e livros indicam que os tempos vindouros serão, infelizmente, distópicos; e sempre me pergunto o quanto essas projeções influenciam nosso destino.
Inteligência x sabedoria
Outro ponto importante é o fato de que qualquer ferramenta pode ser usada para o bem ou para o mal. São inúmeros os exemplos de usos luminosos da IA, ao mesmo tempo que assustadores os potenciais usos sombrios. O mais grave é que a velocidade tecnológica é muito maior que a legislativa, e esta falta de legislação e acordos relacionados nos dá a sensação de desamparo. Os desafios que enfrentamos com a falta de regulamentação das Big Techs, deveriam nos lembrar, a cada vez que usamos uma tela, que por trás da IA estão seres humanos, com seus interesses específicos. Seguimos ainda muito distantes de construir consenso entre o que é ético, justo e importante. Estamos, em massa, deslumbrados, distraídos e anestesiados por toda nossa capacidade criadora e destrutiva.
Nos nomeamos “Sapiens”, mas somos sábios?
São muitas as profecias que nos contam desses tempos apocalípticos que vivemos. Gosto muito da “Profecia dos guerreiros de Shamballa”, que conheci através de Joanna Macy, a qual, entre outros tópicos, fala sobre a 'manomaya' – coisas criadas pela mente humana que, por sua vez, podem ser desfeitas pela mente humana. O que nos lembra que nada é imune à mudança e que temos a capacidade de transformar a realidade.
A profecia me remete a uma pergunta feita pelo fundador da “The Natural Steps”, Karl-Henrik Robert, que dizia algo como: “Obrigado por uma era maravilhosa de sucessos, mas agora estamos sofrendo graves efeitos colaterais. Podemos ser novamente tão inteligentes?"
Espero que sim!
E, nesse sentido, é com alegria que compartilho a notícia recente de que diversos países já estão restringindo o uso de celulares e dispositivos eletrônicos nas escolas e na vida das crianças e jovens. Iniciativas como estas mostram que ainda é possível agir e transformar nossa Sociedade de Crescimento Industrial em uma Sociedade que dê sustento e suporte a todas as formas de vida.
“Somos aqueles por quem estávamos esperando”. (Oração Hopi)
O convite da semana é ler, ouvir e assistir coletivamente e presencialmente, no Sarau Fenda: Arte além do antropoceno.
Que tal um encontro entre artistas que imaginam e criam a partir de um olhar sensível para as atuais crises ecológicas e sistêmicas e que propõem outros olhares sobre "ser natureza”?
Foi lembrando do poder do encontro e da arte que o projeto Escritas Regenerativas criou o Sarau Fenda: Arte além do antropoceno.
No domingo, dia 24 de setembro, artistas de diferentes linguagens estarão ocupando a @casaludicasp parar abrir uma fenda no tempo e espaço que estamos acostumados a viver.
Na fenda surgem novas possibilidades, novos olhares e existências. Na fenda nos conectamos para mostrar que a escrita e a arte são substanciais para realizar as rupturas e criações necessárias.
Vai ser um lindo sarau poético e eco-politico, para curtir com amigos e família. Ingressos aqui.
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ótimo texto