Um futuro inteligente só a natureza poderá produzir
#travessia 9: Inteligências Artificiais
Sempre que penso em inteligência a primeira imagem que vem à cabeça é um cérebro, especialmente um cérebro humano. Mesmo ouvindo várias histórias do meu avô agricultor sobre a sabedoria da natureza como, por exemplo, das aleluias (ou siriris) que saem em revoada porque sabem que a estação das chuvas está para começar, demorei para observar esse aspecto nos não-humanos. Pode soar estranho vindo de alguém que estudou biologia, mas é bem mais comum do que se imagina. Por muito tempo a ciência ignorou que outros animais fossem mais do que autômatos, com alguma cognição ou emoção, e que seriam dirigidos aleatoriamente por seus instintos, sem intenção, apenas lutando para sobreviver. Mas isso já está mudando.
No entanto, agora, é intrigante como rapidamente aceitamos que a Inteligência possa ser atribuída a algo que nem sequer está vivo, e que ainda por cima teria supostamente o poder de extinguir a espécie humana: a chamada inteligência artificial. Nem parece que acabamos de sair de uma pandemia provocada por uma molécula orgânica inteligente, um vírus, nos tempos da emergência climática. De qualquer modo, podemos antes pensar no conceito e buscar definir o que é inteligência.
Perguntei para alguns amigos(as) que palavras ou imagens vinham à mente deles(as) quando pensavam na palavra inteligência. Alguns relacionaram o termo com a vida, a natureza, os fungos, o ser humano, enquanto outros o identificaram como aquilo que propicia movimento, relações em rede, conexão, o que é capaz, aquilo que pode adquirir e organizar ideias e, enfim, sabedoria. Com essa gama de respostas fica evidente que o conceito é um tanto vago.
Em seu livro Intelligence in Nature, o antropólogo Jeremy Narby conversa com alguns cientistas sobre cognição em insetos, plantas e microrganismos. O ponto em comum sobre a inteligência desses seres é a capacidade de aprender com o ambiente em que vivem e fazer escolhas que aumentam as suas chances de sobrevivência. Quando pensamos em animais é fácil planejar experimentos onde essa habilidade pode ser provada justamente porque eles podem se movimentar, eles se aproximam ou se afastam de objetos e situações. Mas quando olhamos para plantas e microrganismos isso não é tão simples de inferir.
No entanto, hoje sabemos que as plantas se deslocam em busca de luz e nutrientes, mas a uma velocidade imperceptível para nossos olhos. O autor cita o caso de uma palmeira (Verschaffeltia splendida) encontrada em Seychelles, que possui um caule elevado sobre raízes propulsoras e que se move em direção ao sol à medida que novas raízes crescem no lado ensolarado e aquelas que estão à sombra morrem. Se a observarmos por vários meses, veremos que ela realmente muda de lugar intencionalmente.
No livro A Trama da Vida, Merlin Sheldrake também nos deixa boquiabertos com as diversas habilidades dos fungos, como algumas espécies predadoras que “caçam” nematoides, construindo laços com suas hifas que inflam quando tocados pela presa e a capturam. Assim como o Physarum, o micélio dos fungos consegue se expandir em todas as direções no solo da floresta em busca de nutrientes e, quando os encontra, direciona o crescimento das hifas diretamente para a fonte de alimento a ser absorvida. Como diz Sheldrake, o cérebro é apenas uma das formas de processar informações, redes dinâmicas da qual emergem comportamentos complexos são encontradas em tudo o que é vivo.
Talvez a nossa vida esteja tão limitada a smartphones e computadores que estamos insensíveis à fantástica capacidade de aprendizado e adaptação da natureza. A inteligência é uma propriedade de organismos e neste exato momento ela está operando, coletando informações sobre o meio ambiente, buscando soluções para as crises do nosso tempo e seguindo em frente. E nós não precisamos dar nenhum comando para que isso aconteça.
Segundo o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, não há nada que se compare a um cérebro humano em termos de processamento e é impossível reproduzi-lo através da lógica digital. Ele pontua que a inteligência artificial é a aplicação de métodos estatísticos, análise multivariada, redes neurais, para basicamente minerar grandes bancos de dados e extrair correlações, projeções e estimativas de futuro. Assim, nenhum sistema digital é capaz de inovar e de criar, limitando-se a compilar tudo o que é produzido pela mente humana e gerar um relatório bem convincente.
Neste caso, o termo inteligência é um exagero e uma boa jogada de marketing.
Se há um risco eminente no desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial não é a possibilidade de que eles se tornem sencientes e tentem acabar com a humanidade, mas a capacidade que estas ferramentas possuem de influenciar o funcionamento do nosso cérebro, interferindo na nossa capacidade de gerar abstrações, novas ideias, e de formar grupos sociais capazes de pensar soluções em rede.
A vida natural é sempre hábil em imaginar e materializar futuros possíveis enquanto a inteligência artificial é capaz apenas de estimar soluções baseadas no passado. Mesmo que sistemas digitais possam adquirir, conectar e organizar ideias como fazem os organismos, eles nunca serão sábios. A sabedoria é uma qualidade que nasce da abertura para o novo, de um frescor nos olhos, e que indica a melhor decisão baseada no agora e na vontade de persistir, construir relações e ser feliz.
Nenhum algoritmo substituirá o poder da abstração humana, da alegria das relações em comunidade, de toda arte, música, poesia e ciência que emergiu de nosso sistema neural conectado ao longo do tempo evolutivo, como uma orquestra ininterrupta com diferentes músicos que se alternam para que a música continue.
💠 Documentário sobre quem aprende e inventa a partida da inteligência da natureza
Bicêntricos é um documentário sobre a biomimética e as pessoas que, ao escolherem a natureza como inspiração, colocam a vida no centro de suas decisões. Pelo olhar da bióloga Janine Benyus descobrimos inovações tecnológicas e sociais inspiradas na experiência de bilhões de anos da Terra. Assista ao trailer:
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ótimo