São muitos os ciclos da vida. Ciclos que pulsam no tempo, em um fluxo que se desenrola e enrola, em espiral contínua e que, a cada vez que completa uma volta, está em um novo lugar. Nesse desenrolar, cada um de nós participa de ciclos individuais e de ciclos coletivos, com muitas variações de ritmo, duração, importância, atenção ou consciência.
Dentre muitos estudos e teorias sobre nossas organizações sociais e padrões na evolução da consciência humana, gosto muito da dinâmica da espiral, um modelo de desenvolvimento humano biopsicossocial, proposto por Clare Graves (com contribuições de outros importantes autores), no qual ele apresenta o conceito de “memes”, códigos genéticos sociais, composto por sistema de valores, conjunto de crenças e comportamentos. Mundos conceituais, com inteligência adaptável, que respondem ao contexto e condições de vida.
Graves sugere que cada ser humano pode acessar esses códigos e manifestar pensamentos e comportamentos característicos de diferentes memes, dependendo do contexto ao qual está inserido e submetido. E diz que a humanidade percorre junta essa espiral dinâmica, manifestando esses códigos miméticos ao longo do tempo.
A cada volta, ele atribui uma cor, e a cada volta alternamos entre um viés mais individual (cores quentes) e outro mais coletivo (cores frias).Abaixo a imagem dessa espiral, para ser lida de baixo para cima:
Ao longo dos tempos, enquanto coletivo humano, passamos por esses estágios da espiral, que seguem coexistindo em nosso mundo.
Se olharmos para o desenrolar da história desde o momento em que os deuses masculinos monoteístas dominaram os céus, podemos fazer um paralelo de como os povos, orientados por essas crenças, estabeleceram, aos poucos, uma cultura orientada por um modelo de dominação e controle da Natureza.
Por milênios, sob esse paradigma, nossa cultura se distanciou da sabedoria dos ciclos
E, sem respeito ao tempo natural, promoveu a artificialização dos processos, desde sistemas de produção de alimentos, que driblam o ritmo das estações; passando pela aceleração do ciclo de nascimento, crescimento e abate das aves; até as mulheres que optam por parar de menstruar com hormônios, por praticidade ou nojo; ou que se submetem a cesarianas desnecessárias, com crianças sendo retiradas da barriga antes de pedirem para sair… a lista é enorme.
Essa organização cultural, na qual uma metade da humanidade se sobrepôs a outra, deriva de um conjunto de crenças que divide a humanidade entre homens e não-homens. Independente da cor ou etnia, ao redor do mundo, em diferentes culturas (com exceções), o sexismo se estabeleceu. E os primeiros ‘não-homens’, os primeiros ‘outros’ foram as mulheres.
São muitas as teorias do surgimento do patriarcado, mas um elemento que costuma ser comum é o reconhecimento desse vínculo visceral das mulheres com a natureza, por seu corpo, seu sangue, seus filhos, seu leite, (cada processo com seus ciclos próprios). E nessa busca dos ditos ‘Sapiens’ pelo domínio da natureza, estenderam esse domínio às mulheres, consideradas não homens, ou mesmo, meio bichos…
Mulheres foram submetidas e usurpadas de seus direitos, da mesma forma que a natureza. Não à toa o Ecofeminismo é um desses muitos movimentos de vanguarda que propõe soluções e fomenta massa crítica para a transformação.
Nesse momento do ciclo do patriarcado,(e do capitalismo), vemos (com alegria) o aumento da busca de homens por novas identidades, novas masculinidades. Começamos a ouvir relatos e perceber o óbvio: que para manter esses privilégios de dominação e controle, os homens precisam abrir mão de muitas coisas, precisam dominar, controlar e podar os próprios sentimentos, pois precisaram responder a um padrão específico que acabou por torná-los incompletos.
E aí emerge um paradoxo curioso: o quanto os ‘Homens’, que se consideram o topo da cadeia, completos e poderosos, são na verdade cheio de buracos? E o quanto esses ‘buracos’ os aprisionam em um lugar de ‘falta’ ou de ‘escassez’, gerando essa eterna busca por completude, que acaba se traduzindo em busca por poder e acumulação, exploração e extração, abrindo buracos na Terra na tentativa de tapar todos esses buracos?
Nas voltas que o mundo deu e nossa cultura se desenvolveu, chegamos a este novembro de 2023 vivendo, simultaneamente, a explosão de guerras, o agravamento das crises socioeconômicas e políticas… E tudo isso enquanto Gaia arde em febre, movendo suas águas no mundo, promovendo secas e enxurradas, e mudando drasticamente as paisagens.
É muito difícil lidar com esse ciclo de destruição e devastação, sem dúvida, um dos momentos mais desafiadores que a humanidade já enfrentou. Por outro lado, fica fácil cair na apatia, o que é um dos maiores perigos a serem enfrentados.
Um novo ciclo se inicia…
Em horas como essa, precisamos nos conectar com as forças de resiliência de esperança e de fé. Precisamos nos inspirar nas pessoas sábias e ativas, que não desistem, que seguem, mesmo quando parece que não há mais o que fazer. Pessoas que seguem firmadas no propósito de promover as mudanças culturais necessárias, e, insistindo em nos lembrar que ainda dá tempo!, nos convidam e convocam a participar dessa Esperança Ativa.
Ao mesmo tempo, temos muito a celebrar, vivemos um momento de ampliação da consciência de que essa forma de ocupação e organização humana que promovemos até aqui, é insustentável e não cuida da vida. Nunca antes tivemos tantos grupos e pessoas engajadas em propor, experimentar e defender outras formas de viver, baseadas no cuidado, no respeito, na equidade e na valorização da Vida, mais-que-humanas em todas as suas formas, cores e amores.
Em meio ao caos, testemunhamos a grande massa humana que está promovendo essa mudança de paradigma e experimentamos os choques entre quem atua para sustentar o velho mundo com quem está lutando para desenvolver o novo.
Estamos chegando ao final do ano, uma época em que muitas pessoas, de diferentes povos, ao redor do mundo, escolhem olhar para o passado e o futuro e se conectar com os aprendizados e com os sonhos e intenções que lhe são caros. Um hábito muito saudável e importante, conectado a uma sabedoria antiga sobre o valor de ritualizar e marcar o pulso do movimento da vida, observando e promovendo transições.
Talvez seja a data na qual o maior número de pessoas se conectem de uma forma semelhante, e um momento auspicioso para intencionarmos e atuarmos juntos em nossa evolução coletiva.
Por mais complexa que seja a nossa situação atual, a espiral segue em movimento e estamos começando a ter vislumbres do que seria esse momento ‘turquesa’, no qual a humanidade passa a ter uma consciência coletiva planetária, com uma visão mais holística e maior lucidez em relação a interdependência e o valor intrínseco da vida.
E aqui deixo o convite para que nos conectemos com essa energia de renovação, e cada um de nós encontre seu fluxo de pertencimento e contribuição para manter acesa a chama do esperançar e manifestar um mundo orientado pelos valores da paz, do respeito e do cuidado.
O tema da redação do Enem desse ano deu o que falar. Afinal, evidencia um problema social de séculos: a invisibilidade de um trabalho essencial para todos.
Todas as práticas relacionadas ao cuidado, na maioria das vezes, recaem sobre as mulheres. Os impactos são inúmeros. O livro Masculinidade Ecológicas, traz uma extensa investigação sobre o assunto, com um capítulo dedicado ao CUIDADO que todas as pessoas podem ter, seja mulher, homem ou pessoa não-binária.
Clica no post para saber mais:
Na Comunidade Travessias além de apoiar nosso trabalho e fazer parte de encontros para trocas mais profundas, você também terá acesso a conteúdos, experiências e descontos exclusivos. Veja alguns bônus:
1 texto exclusivo por bimestre, escrito por uma pessoa convidada especial. A coluna #Para Ler na Rede;
2 Mergulhos por bimestre - sugestões de práticas para aprofundamento dos temas da Travessia e fóruns de diálogos sobre o que cada pessoa vivenciou;
1 Encontro online com os membros da comunidade, a cada bimestre, para aprofundarmos nossas conexões e celebrarmos (na plataforma Zoom);
Acesso gratuito por 2 meses a 1 curso/vivência gravado por um dos colunistas;
Desconto de 35% em todo catálogo da Bambual Editora;
Desconto exclusivo em produtos e serviços com uma nova parceria comercial a cada bimestre.
Mude sua assinatura para a versão paga e faça parte da comunidade automaticamente:
Assinatura mensal: R$29,90
Assinatura anual: R$ 287,00
Putz este texto está extraordinário ... limpo -claro - objetivo - contemporâneo.. Abraços e luz e esperança para todos ..