A insuficiência do saber
As verdadeiras mudanças acontecem quando sentimos | travessia #8
Quando recebi o tema para esse texto (abraçar nossas incoerências) estranhei, pois, em minha visão de mundo, as palavras 'abraçar' e 'incoerências' não combinam.
‘Abraçar’, para mim, é acolher com carinho, aconchego e segurança: é da família de tudo o que é bom, nutritivo, saudável, de tudo que promove a vida. Já 'incoerência' é da família das coisas que dificultam a vida, mas que nos acompanham ao longo dela.
Estranhei, porque tenho como um de meus valores principais a coerência. Assim sendo, a ideia de abraçar (oferecer carinho e aconchego) às incoerências opõe-se à meta de buscar promover coerência em meu caminhar. Por outro lado, é inegável a importância de todos nós, humanos, saber o que fazer com as nossas incoerências e com as incoerências presentes em nossas vidas.
Em minha perspectiva, muitos dos desafios que enfrentamos, enquanto indivíduos ou coletivo, são consequências da falta de coerência, tão presente em nossa cultura.
“Faça o que eu digo e não o que eu faço”, um ditado bastante comum, que retrata um comportamento convencionado, muito presente em nossas relações – entre pais e filhos, ou adultos e crianças, em geral.
Tal ditado exemplifica uma das formas pela qual promovemos e perpetuamos uma cultura de normalização de comportamentos incoerentes em nossas relações, o que, por sua vez, faz com que relativizemos sua importância e suas consequências.
Sendo o ser humano um animal social, que aprende pelo exemplo, pela imitação, tendemos a reproduzir as incoerências que aprendemos em nossas relações sociais, e é comum negarmos que elas existam.
Acredito que um dos primeiros passos para romper esse ciclo de repetições é reconhecermos nossas próprias incoerências, nos tornarmos conscientes delas, e aprender a colher seus aprendizados – alguns mais leves, outros mais densos, mas todos chaves para portas que nos mostram outros caminhos, e que podemos ou não escolher abrir.
Cuidado com as palavras
Outros desafios que enfrentamos são posturas retóricas, demagógicas, positividades tóxicas e até mesmo o uso equivocado e às avessas da Comunicação Não Violenta (CNV).
A prática da CNV propõe que “cada um seja responsável por suas próprias emoções”. Mas, infelizmente, essa ideia eventualmente é usada de forma distorcida e é colocada na forma de “não sou responsável pelo o que os outros sentem”. Tal afirmação costuma ser usada como justificativa para a ausência de coerência e cuidado, manifestada em relação a ações desrespeitosas e agressivas, onde a premissa de auto responsabilidade – proposta pela CNV – fica de lado e, ao contrário, é feita uma transferência de responsabilidade para quem sofre as consequências do ato incoerente, enquanto o autor do ato passa pano nas próprias contradições. Posturas como essas mantêm os indivíduos vivendo na zona de conforto da normose.
Todo esse tema, me lembra uma frase que muito me marcou quando ouvi pela primeira vez: "walk your talk" cuja tradução poderia ser algo como "siga suas palavras" ou “ande guiado por suas palavras”. Essa frase nos convida a buscar coerência em nossas vidas, a fazer nossas escolhas pautadas em nossos valores, a agir de acordo com nossas palavras.
Frase irmã da famosa citação – cuja autoria é atribuída a Gandhi - “Seja a mudança que você quer ver no Mundo” – que nos convoca a sermos exemplares, revolucionários. Poderia citar também, um dos quatro "compromissos" toltekas, que diz : “Seja impecável com a Palavra”.
De todas as formas, acredito que, para promover as mudanças radicais necessárias nesse mundo em que vivemos, precisamos olhar de frente para nossas contradições e parar de minimizá-las. Precisamos nos responsabilizar por nossas incoerências. Isso significa transformar nossas atitudes na busca de congruência entre o que acreditamos e o que fazemos.
O que a Ecologia Profunda pode nos dizer sobre o assunto?
Diversos estudos apontam o quanto o saber não basta e o quanto é necessário ir além da consciência, para promovermos mudanças em nossas atitudes. Este seria um dos fatores que corrobora para aumentar a distância entre o que pensamos e o que fazemos.
É preciso sentir. Para mudar, precisamos nos mover e, para tanto, precisamos antes nos comover.
O movimento e filosofia da Ecologia Profunda explica que, para nos engajamos em promover mudanças, precisamos passar por três estágios que resultam na integração entre o 'sentir' com o 'saber' e o 'agir'.
Primeiro, vivemos uma Experiência Profunda, um insight, que pode acontecer tanto pelo maravilhamento, quanto por um momento de dor. São eventos que nos despertam conexão profunda, atenção plena, e que abrem nosso campo de emoções e sentimentos (Campo do Sentir).
Após essa Experiência Profunda, entramos em uma fase de Questionamento Profundo (Campo do Pensar), no qual elaboramos nossos sentimentos em relação ao que experimentamos. É também quando nos tornamos conscientes de que temos escolhas – algumas alinhadas aos nossos valores e crenças; outras, não.
Por fim, quando escolhemos caminhar alinhados aos nossos valores e crenças, experimentamos o Engajamento Profundo (Campo do Agir). Neste campo podemos promover mudanças. Quando escolhemos agir comprometidos com o que pensamos e sentimos, vivemos mais perto da coerência.
É o Saber associado ao Sentimento que gera a força mobilizadora de toda transformação.
Assim, creio que não seja o caso de ‘abraçarmos’ nossas incoerências, e sim de aproveitarmos cada oportunidade, para nos tornarmos conscientes de suas existências.
A proposta é fazer este exercício de reconhecimento e responsabilidade de nossas incoerências. Através da conexão com nossos sentimentos - e conexão com os sentimentos presentes em nossas relações, em contextos de incoerência - podemos nos tornar conscientes dos impactos de nossas ações. E com essa consciência podemos fazer escolhas alinhadas com nossos valores e crenças. É com este Saber aliado a este Sentir que construímos relações com mais respeito e confiança. 'Seguindo nossas palavras’ e ‘sendo a mudança que queremos ver no mundo’.
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Um livro para quem se cansou de só ouvir notícias ruins e quer soluções para os desafios que atravessam a sociedade. Mas, antes, é preciso saber algumas coisas importantes. Por isso, este também é um guia didático e introdutório dos principais conceitos de política, sem abrir mão de sua complexidade. Aqui, não há passo a passo nem receita de bolo. Muito pelo contrário: há muitas perguntas. Sobretudo, esta obra é radical. Ela propõe transformar o mundo, mas não de qualquer jeito. Nela, há uma caixinha de ferramentas para que seja possível provocar mudanças profundas.
💠 Entre razões e emoções… O que fazer quando nos emocionamos com algo antiético?
Reflexão das boas feita por Lilian Farrish sobre o “comercial da Elis Regina” e sobre separar a obra do artista. Vem escutar (é só clicar na imagem):
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