Por Satish Kumar, do livro "Amor Radical”
O Amor Radical é uma visão de uma transformação total e uma visão de uma harmonia holística.
A existência é uma realidade multidimensional, não uma visão de uma só dimensão. Criamos uma vida o mais perfeita possível por meio do: amor à Natureza – Solo; amor a si mesmo – Alma; e amor aos outros – Sociedade. Essa é a trindade do amor para uma nova era.
No Bhagavad Gita, Krishna diz ao guerreiro Arjuna que, desde o começo da vida, o ser existe em três dimensões: a natural, a espiritual e a social. Os cinco elementos são presentes do universo para todas as formas de vida. Como humanos, respiramos ar e bebemos água para sobreviver.
Cultivamos nosso alimento no solo para nos sustentar. Utilizamos o fogo para cozinhar e nos aquecer, e no espaço nós vivemos. A economia do universo é uma economia da dádiva, baseada na reciprocidade. Não é uma economia do saque, que cria desperdício, poluição e desigualdade. É nossa responsabilidade garantir que os cinco elementos sejam bem cuidados, limpos, puros, recuperados periodicamente. Na tradição Védica, esse ato de recuperação é chamado de yagna, o que significa amor pela Natureza, ou amor pelo solo, uma vez que o solo representa todos os elementos naturais.
A partir do dia em que nascemos, recebemos de presente um corpo, nossos sentidos, inteligência, e uma alma: o eu, nosso ser inteiro. Da mesma forma que somos chamados a manter a pureza e integridade dos cinco elementos externos para nosso bem-estar, também somos chamados a estar sempre atentos à pureza, integridade e saúde dos nossos elementos íntimos: nossa mente, corpo, espírito e inteligência. Ao viver vamos, necessariamente, experienciar a exaustão, burnout, estresse e, até mesmo, desespero. Assim, nossa responsabilidade é encontrar meios de restaurar, recuperar e nutrir nossas almas, nosso eu. Esse autocuidado não é um ato de egoísmo; é um imperativo e um pré-requisito para ocuidado com os outros. Esse autocuidado é chamado de tapas, que quer dizer “amor a si mesmo”, ou “amor pela alma”.
Não nascemos como indivíduos isolados e desconectados. Somos membros de nossas famílias, nossos bairros, nossas comunidades, e nossa sociedade, de forma mais ampla. Recebemos as dádivas dos alimentos, água e calor da Natureza, e as dádivas da imaginação, consciência, memória e inteligência da nossa alma, e também recebemos muitas dádivas de nossa comunidade humana. Esses presentes incluem a cultura, arquitetura, literatura, filosofia, religião, artes, ferramentas e muito mais. Recebemos esses presentes de todos que viveram no passado e continuamos a recebê-los no momento presente. Não estamos aqui apenas para consumir as dádivas dos outros; somos responsáveis por oferecer presentes semelhantes de volta. Somos chamados a contribuir com nossa criatividade, talento, nossas habilidades, como presentes oferecidos em abundância para enriquecer nossa ordem social.
Esse retorno para a comunidade deve ser em reconhecimento à nossa mutualidade e reciprocidade. Quando isso é feito com um espírito de serviço altruísta, é conhecido como dana, o que significa amor por todas as pessoas, independente de casta, religião, raça ou nacionalidade.
Esses três princípios intemporais do Bhagavad Gita – yagna, tapas, dana – são tão relevantes hoje como quando foram formulados milhares de anos atrás. Eu os adaptei e reformulei para a nossa época, uma nova trindade para os nossos tempos: Solo, Alma e Sociedade.
Nossa sociedade encoraja a especialização do pensamento, mas é importante lembrar que a trindade representa três aspectos de uma visão holística.
Existem aqueles que talvez se sintam tentados a se dedicar totalmente para a conservação e proteção da Natureza, enquanto as dimensões espirituais ou metafísicas não entram em sua consciência.
Outros talvez se dediquem de todo coração para uma busca espiritual – a prática da meditação ou yoga, o estudo de textos espirituais e uma vida de autoconhecimento – com pouca preocupação com a preservação do mundo natural. Outros, ainda, podem dedicar a vida para causa de justiça social, direitos humanos e igualdade econômica. Para esses, os assuntos espirituais podem parecer como autoindulgência e a conservação da Natureza pode parecer algo muito distante da experiência humana.
Devemos abandonar todas as noções preconcebidas por um momento e ver a perspectiva holística oferecida pelo Bhagavad Gita, que nos diz que tudo é conectado e relacionado. Somos todos feitos uns dos outros. Natureza, espírito e humanidade são três dimensões de uma realidade. Mesmo quando focamos em uma única dimensão de nossa existência terrena, precisamos estar atentos às conexões sutis e ocultas entre o externo e o interno, entre o social e o espiritual, e entre o natural e o industrial.
Aqueles preocupados com a preservação da Natureza precisam lembrar que a Natureza não se encontra só lá fora. Se preocupar com os seres humanos é tanto parte da conservação da Natureza quanto se preocupar com a vida selvagem. Da mesma forma, cuidar dos direitos da Natureza é igualmente parte do cuidado dos direitos humanos quanto trabalhar para justiça social e desenvolvimento econômico.
A Natureza e os humanos não são só entidades físicas. A Terra e todos os seres vivos que nela habitam, humanos e mais-que-humanos, são organismos vivos e complexos. Somos a encarnação de compaixão, generosidade, humildade e amor.
Se temos uma boa ordem social e um meio ambiente limpo, mas não temos alegria, empatia ou amor, então como seria a nossa vida? Precisamos de um meio ambiente limpo, de uma ordem social justa e de uma vida pessoal próspera em igual maneira; precisamos de espiritualidade e amor em nossos corações para nos sentirmos realizados.
É isso que Krishna diz a Arjuna:
“Não existe fragmentação ou desconexão entre o natural, o espiritual e o social. Somos um inteiro integrado.”
Esse é o capítulo do livro “Amor Radical:O amor como prática de transformação pessoal, econômica, social e ambiental” recém lançado pela Bambual Editora e Escola Schumacher Brasil. Esse trecho foi escolhido para essa travessia #11: cuidar, porque acreditamos que o cuidado é um ato holístico e que envolve várias dimensões: pessoal, econômica, social e ambiental.
Satish Kumar estará no Brasil em abril deste ano. Acompanhe as redes sociais da Escola Schumacher Brasil para saber de toda a programação.
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