Sonhei com a minha avó.
Não sei bem se era mesmo um sonho, ou se era a lembrança de uma cena já vivida por nós. Ela estava agachada para ficar do meu tamanho. Era eu, ainda criança, ouvindo atenta que não podíamos sair tirando as florzinhas do gramado assim, sem nem pedir licença, dessa forma a planta sentiria dor ao ser arrancada da terra.
Acordei.
Voltei para o texto em que estava escrevendo para começar a travessias. Eu não poderia começar isso aqui com outro tema a não ser este: o sagrado que habita tudo.
Quanto mais eu leio, estudo, dialogo, reflito, contemplo, mais certezas eu tenho de que o que falta para a gente evoluir como sociedade é voltar a enxergar a sacralidade de tudo que está na Terra. (E olha que eu tenho cada vez menos certezas sobre a maioria das coisas).
Talvez, seja por isso que minha vó tenha aparecido para mim neste sonho meio-dormindo-meio-acordada. Estava aqui buscando pelo conhecimento que me falasse mais sobre o sagrado, buscando conceitos e teorias, quando, na verdade, ver a sacralidade do todo é simples.
O sagrado está na sabedoria das nossas avós, dos povos originários, daquelas pessoas que andam devagar pela vida.
Lembro-me de quando minha avó me ensinou a pedir licença antes de arrancar uma flor ou uma acerola do pé. E fico cá pensando como a realidade poderia ser diferente se a gente pedisse licença por onde passasse e reconhecesse que tudo tem vida, todos os seres e paisagens são dignos de respeito. Têm direito de existir sem precisar dar nada em troca.
Ao ler o que eu mesma escrevi me sinto ridícula. Penso em um executivo de uma multinacional lendo e zombando das minhas palavras. Algum, mais bem humorado, pode até achar tudo isso muito bonito, mas diria que "na prática as coisas não são bem assim”.
Então eu me lembro que eles também são sagrados. E que se eu começar a reconhecer isso, pode ser que eles também comecem…
Percebo que, na prática, partes de mim mesma também não acreditam que a gente possa viver em um mundo onde tudo que move é visto com respeito. Se fomos capazes de criar, sustentar e viver em uma sociedade que não pede licença nem para os seres humanos, vai pedir para a planta? Para a montanha?
Pois é. A rabugentice e a desesperança também habitam esse corpo e hoje eu dou espaço a essas partes. O que essa parte ranzinza me diz é que a gente se perdeu como sociedade. Mas daí vem o lado meu que fecha os olhos e percebe que tem muita gente querendo se reencontrar.
Eu, particularmente, desejo integrar ambas as partes.
Por isso, o travessias não é um projeto para convencer alguém. É um espaço para a gente se acolher e relembrar do que importa de verdade, não é um fim, mas sim uma jornada.
Guimarães Rosa certa vez escreveu:
“Quem elegeu a busca não pode recusar a travessia.”
O travessias é um projeto para os buscadores. Um espaço interativo, multimídia, transdisciplinar e indisciplinar para quem está em travessia, em busca de novas formas de pensar e agir no mundo.
Aqui vamos vislumbrar novos caminhos, sim. Mas que sempre com mais perguntas do que respostas. Será um espaço de desaprendizagem e aprendizagem coletiva, de desenvolvimento de um olhar crítico, de acolhimento das nossas incertezas e angústias. De um respiro. Uma publicação que deseja ser construída em conjunto, para que possamos olhar para as nossas próprias contradições e incongruências. Para que possamos refletir, criar laços e para que o conhecimento possa gerar sabedoria e ação.
A jornada de quem se propõe uma transição pode ser complexa e, muitas vezes, solitária. Aqui a ideia é que possamos nos conectar em um local "mais silencioso” do que a barulheira das redes sociais. Aqui é para celebrarmos a calma, as trocas reais que não dependem de um algoritmo.
Os inscritos receberão:
Mensalmente: uma newsletter com um tema central, junto de referências, áudios, vídeos, inspirações, estudos e conhecimentos para atravessarmos o assunto juntas, juntos e juntes. (Como essa que você está lendo agora).
Semanalmente: Na primeira semana do mês uma indicação de livro e nas semanas seguintes outros trechos do mesmo livro com reflexões e conteúdos relacionados para que possamos mergulhar juntos na leitura do mês.
Sempre que possível: um fôlego na caixa de entrada. Um vídeo curto, uma música, um poema, um afago.
E como o travessias é para celebrar a vida sem pressa… Vai lá pegar um chá, um cafézinho, uma kombucha, um vinho ou a bebida da sua preferência que eu te espero para atravessarmos, juntas juntos e juntes, o tema do mês: SAGRADO É TUDO.
Um apanhado de materiais que cruzei no mundo cibernético e que vale a pena compartilhar para você também abrir, ler e salvar nos favoritos. ;)
→ Os direitos de Pachamama: Se os Direitos Humanos garantem justiça para nós, nada mais obvio do que existir os Direitos da Terra. Felizmente, segundo dados da ONU, 37 nações já incorporaram o tema em algum nível oficial ou institucional. Na América Latina o destaque é para Equador e Bolívia que garantiram esses direitos em suas Constituições Nacionais. No Brasil, também tivemos alguns avanços como aponta Mara Gama em reportagem para o Portal Ecoa. Leia a reportagem na íntegra aqui.
"A saída para essa crise profunda que estamos vivendo é deixar de ver a natureza como instrumento a ser explorado e retomar a ideia da natureza como sujeito, como ensinam os povos originários"- Marquito, Candidato a Deputado Estadual por Santa Catarina.
→ Como treinar um olhar generoso e bondoso para relembrar que tudo é sagrado? Gustavo Gitti escreveu um texto extremamente gostoso sugerindo uma prática que me lembrou os conceitos da Economia da Dádiva. Você pode ler o texto completo aqui: Cafezinho não se paga. E para ouvir um resumo divertido, clique abaixo:
→ Ecologia Profunda: Nathalia Manso fala sobre a ecologia profunda, uma filosofia para nos ajudar a ver a sacralidade do todo:
Como diria Gal, tudo é divino, tudo é maravilhoso…Mas é preciso atenção ao dobrar as esquinas. Um resumo de notícias que precisamos nos atentar e agir:
→ Defensores dos direitos socioambientais estão em risco. Em 2021, tentando impedir despejos ilegais da escolinha do cerrado e das famílias catadoras de materiais recicláveis da ocupação do CCBB, o socioambientalista Thiago Ávila foi preso duas vezes pelo Governo do Distrito Federal. O governo que deveria invés de responder por suas violações contra as famílias catadoras e contra a Natureza, está acusando Thiago de crime ambiental, podendo leva-lo à prisão por até três anos em um processo que terá sua sentença nos próximos dias. Você pode ajudar a impedir essa injustiça assinando aqui.
→ Incêndio criminoso na agrofloresta da Comunidade Menino Chorão: A Pertim.org é uma uma associação sem fins lucrativos que existe para construir uma agrofloresta na periferia de Campinas levando autonomia alimentar para os moradores da região. Esse é o segundo ano que o incêndio acontece e, dessa vez, ele destruiu todas as frutíferas. Apesar dos inúmeros desafios de trabalhar em uma área com tantos conflitos de interesse, o grupo segue no propósito de levar agrofloresta para áreas vulneráveis. Clique aqui para saber como ajudar.
→ Em ano de eleição precisamos redobrar a atenção sobre as nossas próprias ações nas redes. Não é o momento de dar ibope para fake news ou candidatos com falas bizarras. A agência Forrest preparou um resuminho básico de tudo aquilo que a gente NÃO deve fazer.
→ Emersom Karma Kontchog também trouxe uma reflexão interessante para este ano de eleição: como podemos nos mobilizar com eficácia para as mudanças que queremos ver acontecer? Vale muito a leitura:
O mundo não precisa de mais produtos ou negócios que não impactem positivamente o planeta. Muito pelo contrário, estamos é precisando de negócios que resolvam os problemas que a sociedade causou até aqui. A boa notícia? É que já tem uma porção deles surgindo e atuando. Trago aqui um apanhado para que cada um possa se inspirar e apoiar essas novas formas de estar no mundo.
→ Se tudo é sagrado, está na hora de vermos o "lixo” como tal. Nos últimos meses conheci a empresa Planta Feliz Adubo que faz a gestão do resíduo orgânico caseiro e desde então minha relação com qualquer casca de banana mudou. Funciona assim: eles entregam sacolas compostáveis feitas de mandioca, você separa tudo que é resíduo orgânico e eles recolhem semanalmente ou quinzenalmente para transformar esse resíduo em adubo. Boa alternativa para quem não tem espaço ou jeito para uma composteira. Conheça mais aqui. Conhece outra empresa que faz esse tipo de serviço? Me conta nos comentários.
→ Festival Ilumina para celebrar todas as formas de vida na Terra: Um festival de música que acontece na Chapada dos Veadeiros e reúne vivências, encontro com a ancestralidade, mergulho nas águas, experiência gastronômica vegana e sem álcool, uma arena de conhecimento e troca. Este ano os palcos vão contar com Luedji Lunae EMICIDA. Começa hoje e Bambual Editora estará lá! Conheça mais aqui.
→ Como empreender saindo do antropocentrismo? Sabe aquela minha rabugice do inicio dessa news? De que homens de negócio riram desse papinho todo de respeito a todos os seres? Pois bem… a Lívia Humaireriu primeiro e escreveu essa belezinha de livro: Negócios Eco-Lógicos na Era do Greenwashing para provar que dá para fazer negócios de forma diferente. Como empreender de uma forma verdadeiramente regenerativa? Como se libertar de velhos modelos que já não fazem sentido? Clica no post abaixo para conhecer mais:
Sou do time que lê muitos livros ao mesmo tempo e, vez em sempre, abro um livro já lido só para ver alguma parte que grifei no passado. Trago aqui um pouco daquilo que grifei, pois existem trechos que são faíscas e podem despertar uma grande combustão.
→ ”Podemos dizer que ser humano é estar conectado com tudo que respira e transpira. A forma como nos conectamos é o território da cooperação.” May East no prefácio de Pedagogia da Cooperação(Bambual Editora).
→ “O aniversário da terra não tem dia em calendário. não é só de ano em ano nem de hora em hora A terra embaixo dos ossos dos nossos pés faz aniversário agora em agora de agora em agora de agora em agora em agora em agora em agora."
André Gravatá, em O Aniversário da Terra (Ed.7 Letras).
→ ”(…) eu mesma exercito integrar o que já me pareceu inconciliável: ser uma jornalista que tem fé. Tenho fé na pulsão de vida que recentemente sem pudor passei a chamar de Deus, mesmo sabendo que essa palavra anda tão distorcida.” Santosha Natália Fontes Garcia, em SETE DIAS NO BUTÃO: O Que Aprendi Sobre Felicidade (Bambual Editora).
→ “Não se preocupe com a distância entre seus sonhos e a realidade. Se você pode sonhá-los, você pode realizá-los.” Belva Davis, na carta Baleia do Cartas do Reino Animal (Bambual Editora).
→ Um trecho de Khalil Gibran, do clássico O Profeta (Ed. Planeta) sobre a sacralidade do servir que e é tão, mas tão bonito que eu não me contentei em apenas grifar, mas li em voz alta aqui.
Há quem diga que as poesias são inúteis, sem função. E, talvez, em uma sociedade utilitarista, a poesia não tenha função mesmo. Mas, como diz Ailton Krenak, “a vida é inútil”. Então, para mim, a poesia é a celebração dos dias inúteis, das horas de contemplação da vida na sua forma mais pura. A poesia me atravessa todos os dias. Algumas cruzam meu caminho como uma carta de oráculo me pedindo alguma coisa, espero que esse te peça algo também.
Os Trinta e Três Nomes de Deus
Por Rubem Alves
“De vez em quando perguntam-me se acredito em Deus. Mas é claro. Acredito mais que a maioria das pessoas. Tenho até trinta e três nomes para ele. Esses nomes foi a Margueritte Yourcenar que me contou. Ela foi uma escritora maravilhosa, autora do livro Memórias de Adriano, quem lê nunca mais esquece, quer ler de novo. Pois esses são os trinta e três nomes de Deus que ela me ensinou. É só falar o nome, ver na imaginação o que o nome diz, para que a alma se encha de uma alegria que só pode ser um pedaço de Deus… Mas é preciso ler bem devagarinho…
1.Mar da manhã. 2.Barulho da fonte nos rochedos sobre as paredes de pedra. 3.Vento do mar de noite, numa ilha… 4.Abelha. 5.Vôo triangular dos cisnes. 6.Cordeirinho recém-nascido…. 7.Mugido doce da vaca, mugido selvagem do touro. 8.Mugido paciente do boi. 9. Fogo vermelho no fogão. 10.Capim. 11.Perfume do capim. 12.Passarinho no céu. 13.Terra boa… 14.Garça que esperou toda a noite, meio gelada, e que vai matar sua fome no nascer do sol. 15.Peixinho que agoniza no papo da garça. 16. Mão que entra em contato com as coisas. 17.A pele, toda a superfície do corpo 18. O olhar e tudo o que ele olha. 19.As nove portas da percepção. 20.O torso humano. 21.O som de uma viola e de uma flauta indígena. 22.Um gole de uma bebida fria ou quente. 23.Pão. 24.As flores que saem da terra na primavera. 25.Sono na cama. 26. Um cego que canta e uma criança enferma. 27.Cavalo correndo livre. 28.A cadela e os cãezinhos. 29.Sol nascente sobre um lago gelado. 30.O relâmpago silencioso. 31.O trovão que estronda. 32.O silêncio entre dois amigos. 33.A voz que vem do leste, entra pela orelha direita e ensina uma canção…”
Agradeço ao Carlos Brandão por haver me apresentado os trinta e três nomes de Deus da Margueritte. Não é preciso que sejam os seus. Faça a sua própria lista. Eu incluiria: Ouvir a sonata Apassionata de Beethoven. Sapos coaxando no charco. O canto do sabiá. Banho de cachoeira. A tela “Mulher lendo uma carta”, de Vermeer. O sorriso de uma criança. O sorriso de um velho. Balançar num balanço tocando com o pé as folhas da árvore… Morder uma jabuticaba… Todas essas coisas são os pedaços de Deus que conheço… Sim, acredito muito em Deus”.
A poesia acima veio até mim junto de um presente de uma pessoa muito especial. Era 2019, e os escritos de Rubem Alves chegaram com um caderninho para que eu anotasse os nomes de deus que eu descobrisse a cada dia… Deus pode ter 365 nomes diferentes. Que tal começar por aí também? Daqui emergiu um texto: deus é uma senhorinha de dedos tortos.
Se sentir de compartilhar, escreva nos comentários, abra um fórum aqui no substack, responda por e-mail ou use #travessias001 no Instagram pra gente poder se reconhecer.
Todo mês uma playlist que inspirou a escrita dessa newsletter.
“Tudo que move é sagrado… E remove as montanhas com tudo cuidado, meu amor”
Claro que essa música abre a primeira playlist do travessias!
Ela foi escrita por Beto Guedes e Ronaldo Bastos, eternizada na voz do grande Milton Nascimento e agora ganhou novos ares com Gabriel Sater e o Maestro João Carlos Martins, a versão escolhida para abrir a seleção de músicas e que, provavelmente, vai fazer você colocar no repeat.
Aparecem também: Tiganá Santana, Virginia Rodrigues, Bernardo do Espinhaço, Dandara Manoela, Gilberto Gil…
1 hora e 27 minutos de puro deleite. Dá o play e depois me conta o que achou?
Essa é uma pergunta que costumamos fazer ao fim das reuniões da Bambual Editora. É uma ferramenta utilizada pela Teoria U e outros métodos de gestão de pessoas e projetos e se chama check out. É uma boa ferramenta para fazer consigo mesmo e checar como você se sente em relação a variadas situações: encontros, leituras, andanças, trabalhos…
Então, para encerrarmos esse caminho, em uma palavra: como você está se sentido depois dessa travessia?
Essa foi a travessia de setembro.
Nas próximas semanas você receberá conteúdos complementares e mais curtinhos.
Se ainda não fez sua inscrição, aproveita para se inscrever e não perder:
travessias é uma newsletter idealizada interativa por Bruna Próspero Dani e Isabel Valle com realização da Bambual Editora, que é dedicada a publicação de livros e projetos para a transição global.
Francesa (62) educadora artistica, moro em Marselha depois de ter vivido 30 anos no Brasil
Fundei em 1986 a associação Les Apprentis de l'Espėrance/Aprendizes da Esperança que busca promover intercâmbios culturais entre meus dois países. Eis aqui uma ideia da minha caminhada : www.brasil21.org
Nosso 7mo Festival Palavras e Maravilhas entre Brasil Portugal Africa e França se chama Travessia e Travessuras. Talvez interessa a Bambual em participar de alguma forma
Fica a vontade para me ligar por Whatsapp +33771579311
Longa vida meus jovens !
Tudo de bom
os trinta e três nomes de deus me pegaram demais. vou adotar e anotar.
saí da travessia mais em paz e ligeiramente emocionado! vida longa :)