Precisamos falar sobre burnout em agentes de mudanças
travessia #13: desacelerar
Por Karina Mioto, do livro "Changemakers, a coragem de transformar o mundo”
Nunca me disseram: – “Karina, você está com burnout”.
O que sei, independentemente de diagnósticos que nunca chegaram, é que me dediquei tanto em proteger a Amazônia que abri mão de proteger a mim mesma. Burnout é um termo utilizado para descrever um fenômeno associado ao estado de esgotamento físico, emocional e mental de uma pessoa em relação ao trabalho que exerce.
Essa condição afeta, principalmente, pessoas que desempenham papéis que envolvem alta demanda emocional, pressão, exposição a realidades desafiadoras, luta direta ou indireta contra sistemas injustos e questões urgentes – como provavelmente é ou será o seu caso, se você não se cuidar. Ativistas são totalmente propensos a vivenciar isso.
De acordo com o artigo “Nobody is paying me to cry: the causes of activist burnout in United States animal rights activists”, publicado em 2019 na revista científica Social Movement Studies, existem três principais causas de burnout em ativistas:
Causas internas, relacionadas às características únicas dos ativistas. Sou super emocional, amo a Amazônia e sentia raiva, tristeza e ansiedade constantemente enquanto trabalhava.
Causas externas, relacionadas à injustiça e à retaliação pelo ativismo. Não era fácil ver a Amazônia morrer um pouco mais todos os dias, conhecer as populações vulneráveis e sentir seu desespero sem poder ajudá-las como eu gostaria. Fora o perigo que corria constantemente, considerando que o Brasil é o país que mais mata ativista ambiental no mundo.
Causas relacionadas a culturas tóxicas do movimento e das organizações e como os ativistas tratam uns aos outros. Já vi muita competição acontecendo entre organizações – por investimento, espaço na mídia, destaque. Já vi muitos egos feridos e puxadas de tapete sem consideração e respeito, inclusive a mim.
Tudo isso combinado resulta em burnout. Entre os principais sintomas estão o esgotamento emocional, com aquele sentimento de exaustão e cansaço constantes, muitas vezes acompanhados de tristeza, ansiedade, frustração, irritabilidade. Quando temos burnout não sentimos mais paixão, alegria e satisfação em nossa atuação, como sentíamos antes. Obviamente, uma pessoa em estado de burnout tem uma diminuição significativa no desempenho de seu trabalho o que, consequentemente, afeta a sua capacidade de criar impacto positivo no mundo. Com isso, temos menos realização pessoal, mais sentimento de inadequação e baixa autoestima.
Burnout simplesmente nos obriga a parar.
Estudos científicos apontam que pessoas envolvidas profundamente em movimentos e que tinham a intenção de permanecer engajadas, com burnout, são obrigadas a se afastar completamente. Fatores de estresse de longo prazo relacionados ao ativismo aos poucos minam a saúde física e emocional e isso resulta na desconexão com a causa e em nossa habilidade de engajamento. Aconteceu comigo. Depois de cinco anos mergulhada em ações praticamente ininterruptas para proteger a Amazônia de sua destruição dolorosa e gradual, eu passei a “morrer” em meus níveis de energia, alegria de viver, entusiasmo e motivação para seguir ativa. Cheguei ao ponto de não conseguir ler mais nada sobre a floresta. Pois é. É tipo assim: ou você morre por sua causa ou, se quiser viver bem de novo, deve parar completamente até se recuperar para que, um dia, possa retomar o seu trabalho. É uma queda profunda. Não queira passar por isso. As consequências do burnout afetam tudo em sua vida: saúde mental, física e emocional, senso de propósito, relacionamentos, carreira profissional.
Burnout em changemakers e ativistas é coisa séria e tem afetado cada vez mais pessoas em todo o mundo – também pudera, dado o estado das coisas. Por isso, eu digo:
EM UM MUNDO COM TANTO SOFRIMENTO E NECESSIDADE DE REGENERAÇÃO COMO O NOSSO, SOFRER BURNOUT NÃO É ESTRATÉGICO.
Antes eu não sabia que isso existia. A ignorância não é uma bênção.
Eu e o burnout:
Tive que me desligar completamente do meu trabalho pela floresta. Por muitos anos não consegui ler nenhuma notícia sobre a Amazônia porque doía no corpo. Chegava no terceiro parágrafo do texto falando de desmatamento, queimadas e parava de ler. Era como se eu já soubesse tudo o que estava escrito ali.
A empatia, que um dia me motivou, se transformou em veneno no meu sistema.
Fui desconectada da dor da floresta.
Eu estava em uma desesperança tão grande quando saí da Amazônia que já não tinha mais compaixão pela humanidade.
Fui surpreendida pela total falta de capacidade e vontade de continuar sendo jornalista ambiental.
Além de não conseguir mais atuar como jornalista, por anos a minha capacidade criativa de escrever desapareceu.
Quando me perguntam se vou voltar a morar na Amazônia, a resposta vem fácil: – “Não tenho mais resiliência para isso”. Acabou. O burnout levou.”
A ciência concorda comigo quando aponta que caminhos para prevenir e superar o burnout incluem práticas regulares de autocuidado, estabelecimento de limites saudáveis – horários de trabalho determinados e equilibrados, pausas para descanso, não abraçar mais projetos (e viagens e reuniões no mundo online ou offline) do que você é capaz de realizar com sanidade mental. Apoio social é fundamental – as famosas redes de apoio – e a consciência de seu estado emocional. Já falei disso aqui também. Não ignore seu estresse.
Além disso – alôu, empregadores – é preciso que as organizações tenham políticas sérias de saúde mental para cuidar muito bem de quem cuida do mundo.
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