O mistério não é para ser desvendado, mas mergulhado
travessia #20: contemplar os mistérios
Posso te convidar a contemplar?
É com esse convite que a atriz Denise Fraga abre um vídeo-ativação criado para uma marca. Caminhando pelas ruas de São Paulo, ela aborda pessoas com essa proposta inusitada. Os passantes ficam surpresos e um tanto confusos com o convite, mas aceitam.
É assim que quero começar também. Você tem alguns minutinhos para contemplar?
Contemplar é uma atitude rara. Na lógica do mundo moderno, ela beira o despropósito: não produz, não soluciona, não monetiza. Mas talvez por isso mesmo ela seja tão essencial.
Contemplar é se demorar no que não se explica e se permitir ser tocado por isso.
Nesta edição da Travessias, o convite é a contemplação e a abertura para o mistério — não como algo a ser resolvido, mas como um território a ser habitado.
E quem nos acompanha nesse mergulho é o livro Artesania da Alma- Adentrando os mistérios da natureza e da psique, de Bill Plotkin, recém-lançado na Bambual Editora com tradução sensível de Felipe Chammas. O livro vai ser parte da terceira Trilha de Leituras Compartilhadas, que acontecerá em agosto. Será uma oportunidade de percorrer esse livro em ritmo de escuta, com encontros, trocas e práticas. Se quiser caminhar com a gente, basta fazer parte da Comunidade Travessias.
Contemplar o mistério veio como tema da travessia #20, justamente, porque essa é uma edição que abre espaço para perguntas que não têm resposta — ou, melhor, que só encontram resposta dentro do próprio corpo, com o passar do tempo.
Plotkin nos fala de um outro tipo de desenvolvimento humano, que não se guia por metas externas, mas por um chamado interno: a descida à alma. Uma jornada para além da superfície, que nos convida a encontrar nosso “nicho ecológico”, nosso lugar na teia da vida, não apenas como indivíduos funcionais, mas como expressões singulares de um mistério maior.
O livro começa com uma cena: um homem sozinho na natureza selvagem, em jejum, em busca de uma visão. Ele sente medo, dúvida, e também algo novo querendo nascer. Esse homem é o próprio autor, mas poderia ser qualquer um de nós em momentos de travessia — aqueles em que a vida nos pede para parar, escutar, e deixar que uma nova verdade nos atravesse.
Mas será que é tempo de contemplar? É tempo de se abrir para o mistério?
Você pode estar se perguntando isso, visto que o mundo lá fora parece exigir pressa, ação, engajamento constante. Há crises demais para ficar parado contemplando o invisível, certo? Mas talvez seja justamente por isso que precisamos parar. Não como fuga, mas como gesto radical de reconexão com a vida.
Contemplar o mistério, como propõe este livro, não é fugir do mundo, mas se enraizar mais fundo nele. É perceber que existe inteligência nos ventos, nos sonhos, nas lágrimas, nos animais que nos visitam. Que a alma tem sua própria linguagem, e que talvez nossa tarefa mais urgente seja reaprender a escutá-la.
Enquanto pensava sobre essa travessia, entendi que esse seria um texto guiado pelo mistério, claro. Com mais pontos em aberto do que um pensamento que se quer fechado e redondo. Porque contemplar é também abrir mão do controle, da explicação, da conclusão.
Ao contemplar o silêncio diante da página em branco senti vontade de perguntar para algumas pessoas próximas a mim o que seria, para elas, “contemplar o mistério”. Então peguei o celular e digitei uma mensagem sucinta: “O que é contemplar o mistério para você?"
Enquanto esperava pelas respostas, me permiti contemplar o vácuo. A pausa. O não saber. A presença silenciosa do que ainda está por vir.
As respostas que chegaram foram tão diversas quanto a vida. Aqui, compartilho algumas, na esperança de que uma delas ressoe aí dentro também:
“Nossa, filha!!! Deixa eu pensar..Ficar de frente para o mar olhando céu e mar se entrelaçando… As vezes, pergunto qual azul é mais bonito ?Do mar?Ou do céu?É também estar em meio a natureza(flores, árvores, cachoeiras)…🤔😄…”
“Nossa, amiga… para pessoa com TEA isso é extremamente abstrato! kkkk (…) hmmm. acho que: saber que a gente não tem controle sobre tudo”
“Pensando rápido me veio algo como ter e buscar fé e coragem”
“Contemplar = fixar o olhar com encantamento, com admiração. Já ‘contemplar o mistério’ é se encantar com algo ainda incerto… sem garantias, mas com fé de que há beleza à espera.”
“Contemplar o indizível da natureza, lembrar que somos natureza e exercitar o confiar no caminhar da vida quando não souber o que fazer estar atenta ao respirar.” (Seguido de uma figurinha do Gilberto Gil)
“Contemplar o mistério é aprender sobre o nada e na mesma proporção sobre o tudo. É sentir o intocável. Ouvir o inaudível. Ver sem olhar. É fazer parte sem esperar nada em troca. É deixar ser. E sendo, existir. Contemplar o mistério é como observar o vento.”
E para você que me lê neste exato momento, faço a mesma pergunta:
O que é contemplar o mistério?
Se quiser, me conta por aqui mesmo, nos comentários ou respondendo a este e-mail. Ou, simplesmente, feche os olhos por alguns segundos e deixe essa pergunta ressoar no seu corpo.
Você não precisa encontrar respostas…
Durante todo processo de escrever essa coluna, me lembrei de uma frase muito marcante que ouvi, certa vez, da minha analista junguiana. Ela silenciou por um segundo, me olhou nos olhos como se não estivéssemos separadas por uma tela de computador e disse:
Bruna… Mistério a gente não desvenda. A gente mergulha.
Desde então, essa frase virou um guia. Mergulhar no mistério, para mim, é abrir espaço para o que não se revela de imediato. É confiar que, mesmo no escuro, algo essencial está sendo gestado.
É com esse espírito que convido você a acompanhar as próximas colunas que chegarão no seu e-mail. Nas próximas semanas, vamos receber a visão sobre essa pergunta aberta dos nossos colunistas. Uma chance de enxergar o mistério de ângulos múltiplos, com vozes que escutam e ecoam o mundo com beleza e profundidade.
Te convido a acompanhar essas colunas como quem se senta ao redor de uma fogueira ancestral. Para escutar, partilhar e aquecer a alma com histórias que não trazem respostas prontas, mas faíscas de sentido.
Que essa Travessia te encontre no ponto certo do caminho — nem cedo, nem tarde — e te ofereça, quem sabe, uma faísca para acender a sua própria fogueira.
Um aperitivo da próxima coluna…
Na próxima semana você vai receber a entrevista que eu e
fizemos com o , tradutor do Artesania da Alma.Antes da entrevista oficial começar, perguntamos o que ele achava de alguns possíveis temas para atravessarmos na edição da travessia #20. Foi nessa breve conversa que batemos o martelo sobre “contemplar o mistério”.
Assista e veja como essa escolha partiu de um lugar sensível e íntimo. Esse é só um aperitivo da entrevista completa, para deixar esse gostinho de quero mais…
Continue a leitura com um teste grátis de 7 dias
Assine Travessias | Revista e Comunidade Digital para continuar lendo esta publicação e obtenha 7 dias de acesso gratuito aos arquivos completos de publicações.