Ultimamente, tenho sentido um prazer imenso quando sou convidada a encontrar “faixas de pedestres” entre imagens aleatórias e logo depois preciso clicar no botãozinho que revela “não sou um robô”.
É que em tempos de inteligências artificiais e mensagens por todos os cantos dizendo que eu deveria produzir mais e em menos tempo, é mesmo uma alegria e um alívio ter de provar que não se é um robô.
As tecnologias artificiais chegaram com tudo em 2023, em diferentes ferramentas e objetivos que prometem facilitar a vida dos humanos. Mas na minha pesquisa empírica tenho percebido que elas estão causando mais competição e ansiedade do que, de fato, facilitações.
Será que estão facilitando nossas vidas? Ou será que estão roubando nossa sensibilidade?
É claro que muitas dessas ferramentas podem nos ajudar, inclusive, liberando mais tempo no nosso cotidiano para fazermos as coisas que gostamos. Resta saber se estamos conseguindo utilizá-las dessa forma.
Clicar no botão “não sou um robô” me deixa feliz, porque é como se fosse um lembrete diário do óbvio. Mas o que tem me deixado triste é saber que os robôs estão roubando nossas atividades criativas. Livros sendo desenvolvidos por tecnologias, pinturas sendo criadas em minutos e arte perdendo seu espaço de contemplação com pessoas assistindo a filmes em modo acelerado!!!!
Ando me perguntando: Se continuarmos deixando as coisas gostosas e manuais para um robô fazer o que nos restará como prazer?
Durante os encontros de Escritas Regenerativas, tenho visto cada vez mais pessoas relatando que perderam o prazer em escrever e querem resgatar a escrita sensível e sem fórmulas. E, nesse contexto, a atividade de escrita pode ser substituída por qualquer outro ato que demande criatividade, presença, tempo, mãos… Pode ser cozinhar, desenhar, pintar ou até mesmo dançar ou fazer música.
Muita gente tem deixado de ter prazer ao fazer essas atividades que, antes, eram fonte de serotonina e estado de fluxo. É claro que estamos perdendo o prazer em fazer essas coisas que antes eram “inúteis”. Agora parece que precisamos sempre nos encaixar em fórmulas, sempre criar algo com alguma finalidade, sempre alguma coisa que seja instagramável e que, de preferência, nos renda muitos likes. E, pior, parece que sempre terá uma tecnologia para fazer mais rápido e perfeito.
Mas, como bem disse a agente literária, Valéria Martins, na última newsletter da Oasys Cultural, não dar espaço ao erro pode ser muito prejudicial para nossa capacidade criativa.
Não somos robôs, mas estamos cada dia mais robotizados
Essa semana, durante uma aula de yoga, a professora mudou um pouco a sequência que estávamos acostumados a fazer. Ao invés da postura “cachorro olhando para baixo” emendar na postura “chaturanga dandasana” ela deu o comando para que a perna direita se levantasse. Adivinha? Todos erraram e foram direto para "chaturanga". Ela riu e comentou que era um teste para ver o quanto estávamos automatizados e não presentes naquele momento.
“Para desautomatizar é preciso estar no aqui e agora, prestando atenção no corpo e nos meus comandos. É por isso que praticamos yoga, né?” Ela comentou e seguiu a nova sequência…
Depois da aula, voltei para casa com a tarefa de terminar a escrita dessa coluna (que estava estagnada há semanas). Fiquei olhando para o que tinha escrito e percebi que estava seguindo um formato confortável demais para mim e de tão confortável, não chegava a nenhum lugar verdadeiramente interessante. Era muita repetição de ideias. Falava sobre a precarização do trabalho, sobre a não-inovação, citava pesquisas e fontes, tentava fazer um balanço das informações, mas nada novo sob o sol. Pensei que até um robô poderia escrever aquilo…
Fiquei me perguntando como eu poderia desautomatizar a minha escrita
E resolvi procrastinar mais um pouco. Apaguei metade do que tinha escrito e fui dormir.
No dia seguinte, antes de abrir o computador, fui para a Horta das Corujas, que fica em uma praça perto de casa. Levei um caderno debaixo do braço e, por sorte, esqueci de carregar meu celular durante a noite, o que me rendeu momentos off-line.
Percorri os canteiros com calma e pés descalços. Li as as placas escritas à mão. Senti os cheiros que se misturavam. Senti o sabor do cosmos, ao despetalar a flor laranja que leva esse nome. E fechei os olhos para que pudesse ouvir melhor.
Não ouvi apenas a sinfonia dos passarinhos celebrando a primavera, ouvi, também, o sussurro do vento batendo nas folhas de bananeira e uma buzina incessante que ecoava de longe, mas que co-habitava aquela paisagem sonora. A buzina cessou e escutei o zum-zum de uma abelha.
Abri os olhos e me deparei com essa trabalhadora solitária. Pulando de flor em flor. Polinizando a vida por puro prazer, sem esperar nenhum like em troca. Fazendo mais pelo futuro, do que qualquer texto argumentativo que eu possa escrever sobre a catástrofe climática.
Desconfio que o seu prazer em polinizar a vida, era justamente por não precisar mostrar relatório de produtividade nenhum no final do dia, nem ganhar mais seguidores na sua colmeia. E desconfiei que se eu voltasse a fazer um pouco de arte-inútil poderia voltar a estar sensível às coisas e, talvez, escrevesse de forma menos automatizada.
Neste momento, me dei conta que essa coluna não traria fórmulas prontas nem conclusões. Apenas a certeza de que:
Eu não quero ser um robô. Tenho muito a aprender com uma abelha.
💠Quando a Inteligência Artificial está a serviço da arte de uma forma incrível
A série de vídeos “Cidades Utópicas” do coletivo (se)cura humana usa a inteligência artificial para plantar mundos possíveis nas mentes. A série é um ótimo exemplo de “artivismo” e materializa virtualmente o sonho de uma cidade (im)possível.
Vale a pena assistir os quatro episódios no Canal de Youtube do coletivo ou no instagram @securahumana.
💠Grupo de leitura do livro "O mundo desdobrável: ensaios para depois do fim"
Em novembro, o projeto Escritas Regenerativas vai abrir um grupo de leituras que percorrerá a leitura do livro “O Mundo Desdobrável: Ensaios para depois do fim”, com um encontro espacial, ao vivo, com a autora do livro, Carola Saavedra.
Mais informações e inscrições aqui.
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Que texto maravilhoso 🧡