Semanas atrás eu estava passeando em um parque na minha cidade quando uma árvore chamou a minha atenção. Observei a sua altura, os galhos, as folhas bipinadas, um caracol descansando em alguns folíolos... Espere aí.
Como é que esse caracol chegou aqui?
Em instantes olhei a distância que aquela folha percorria até o nó do galho no tronco e conclui que era mais do que a minha própria altura de 160 cm. Depois percebi que a altura entre o nó do galho e o chão era de mais de dois metros. Pensei que não era possível o caracol ter escalado toda aquela árvore. Quanto tempo ele levaria para chegar ali? Talvez ele tivesse alcançado as folhas diretamente do chão, pois os galhos eram um pouco caídos. Mas a distância entre o chão e as folhas era de aproximadamente um metro e, bem, caracóis não pulam.
Então, pensei que se não podia pular, talvez aquele pequeno molusco pudesse ter sido jogado do céu por algum passarinho que, de repente, decidiu não o comer. Talvez tivesse escorregado de algum bico graças ao muco que cobre o seu corpinho liso, mas na tentativa de aterrissagem na árvore, talvez ele quicasse de volta para o chão.
Depois de considerar algumas possibilidades, pensei que era uma pena não conhecer nenhum malacologista com quem eu pudesse dividir a minha angústia e tentar conseguir uma explicação plausível. Brincadeiras à parte, também não ia dar para perguntar ao próprio caracol já que esses seres não possuem ouvidos. Olhando mais de perto aquele pequeno invertebrado em sua concha, descansando satisfeito e em silêncio, decidi que eu deveria fazer o mesmo.
Sentei quieta debaixo da árvore e fiquei contemplando os mistérios da vida, contradições e paradoxos para os quais não temos respostas, até permitir à minha mente frenética um pouco de descanso e contentamento.
A verdade é que a contradição não apenas está presente nas variadas formas dos seres e na sua interação com o mundo, mas simplesmente é o que caracteriza a própria vida. Há delicadas células bacterianas vivendo em águas termais escaldantes, fungos vivendo em reatores nucleares, ave que passa a maior parte da vida dentro da água e mamífero que põe ovos. Parece que a vida está sempre desafiando os nossos pressupostos, inclusive a nossa própria definição sobre ela.
Na visão da Teoria de Sistemas, os cientistas optaram por contornar a difícil pergunta “o que é a vida?” considerando uma questão mais geral: “o que caracteriza um sistema vivo?”. A resposta é que um sistema vivo, seja uma célula, uma planta ou um animal, é capaz de manter a sua integridade individual apesar de todas as transformações e mudanças que ocorrem continuamente em seu corpo.
Viver é sustentar a contradição entre mudança e estabilidade.
O tempo todo estamos nos nutrindo de outros seres para manter o nosso metabolismo funcionando, algumas células do nosso corpo são substituídas diariamente, entramos em contato com substâncias tóxicas, vírus, bactérias, e ainda assim o nosso corpo se regenera e persiste. Somos o resultado de complexas interações que acontecem dentro e fora de nós e não precisamos sequer pensar sobre elas.
Há uma inteligência que emerge do entrelaçamento de diversos componentes, uma dinâmica intrincada que não damos conta de mensurar. A vida é um contínuo fazer colaborativo de si mesma. Ainda assim, viver é também morrer, outra aparente contradição. Para que a vida resista em meio às mudanças globais, é necessário que antigas formas se adaptem e se auto-organizem em novas configurações ao longo do tempo evolutivo, ou simplesmente sejam substituídas.
Mas como permanecer com duas verdades opostas simultaneamente? Vida e morte. Mudança e estabilidade. Alegria e angústia. Como sistemas vivos, sempre abertos à fluidez da mudança e procurando evitar o derradeiro equilíbrio, é preciso abandonar as certezas fixas.
Somos seres com uma cognição complexa, capazes de imaginar caminhos e fazer escolhas em um planeta onde as interações não são lineares. Estamos mutuamente nos afetando o tempo todo e é difícil que as verdades que sustentamos hoje sejam uma realidade amanhã. Quantas vezes você já mudou de opinião sobre um assunto? As próprias verdades científicas mudam ao longo do tempo.
Não agarrar verdades mutáveis é estar disponível para aprender.
É assim que a vida evolui. Sempre que há uma perturbação no sistema exigindo uma reorganização, um aprendizado acontece. Quando permitimos que as nossas certezas sejam metabolizadas e abrimos espaço para as contradições, novas maneiras de pensar e existir se tornam possíveis, uma confiança na sabedoria da teia da vida emerge. O silêncio e a contemplação da natureza são práticas essenciais para que essa transformação aconteça e para que novos mundos sustentáveis sejam sonhados.
Como diz Joanna Macy, coautora de Esperança Ativa: e outras obras.
“a vida, em sua riqueza e mistério, nunca oferece garantias de sucesso. (...) nossa consciência de que o resultado é incerto nos motiva a nos prepararmos”.
Não saber o resultado pode nos inspirar e nos fortalecer para as mudanças planetárias que vamos encarar neste século. Não saber como vamos enfrentar o que vem pela frente nos causa certa angústia, mas a possibilidade de cada momento de beleza, alegria e mistério que ainda podemos desfrutar faz a aventura valer a pena. Contemple e repouse em meio a urgência.
A vida há de contradizer o futuro sombrio que aguardamos.
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“Livros sobre mudança social e ecológica com muita frequência deixam de fora um componente vital: como nós mudamos a nós mesmos para que sejamos fortes o suficiente para contribuirmos completamente para essa grande mudança?
‘Esperança Ativa’ preenche essa lacuna de forma bela, guiando leitores em uma jornada de gratidão, pesar, interconexão e, sobretudo, transformação.”
– Naomi Klein, autora de ‘A Doutrina do Choque’
💠 Como harmonizar contradições?
Nesse podcast a Ana Cristina Machado, professora e voluntária de Nova Acrópole, nos oferece uma aula esclarecedora sobre o filósofo Nicolau de Cusa e suas contradições harmoniosas.
Tem alguma dica relacionada a esse tema? Deixe nos comentários! ;)
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Excelente reflexão é viver é um processo com 'n" itrilhas / caminhos / em todos os sentidos uma regeneração continua neste corpo finito até um determinado MOMENTO para o eterno