Uma costura entre mundos e saberes
Por onde andamos, para onde vamos — e com quem estamos atravessando? | travessia #19: regenerar
Nos encontramos no entre — entre o que foi e o que precisa ser — em um tempo de travessia.
Há algo em suspensão no ar. Uma sensação compartilhada de que estamos atravessando um tempo limiar, onde o que existia já não sustenta a vida — e o que virá ainda não está completamente formado.
Um tempo em que os sinais se acumulam ao estilo de vida que moldou as últimas décadas da humanidade — o colapso ecológico, a desigualdade extrema, a exaustão psíquica coletiva e o esgotamento dos recursos não são mais avisos distantes. São parte do cotidiano. A ilusão de separação entre seres humanos e natureza está ruindo. O modelo civilizatório de progresso baseado na extração, no acúmulo e na competição chegou ao seu próprio limite.
É por isso que não falamos mais apenas em sustentabilidade. Porque sustentar o que temos hoje — ou tentar manter o que já não funciona — não é suficiente.
O momento pede mais: pede regeneração.
Mas o que seria regenerar?
Regenerar é mais do que reparar danos. É criar condições para que a vida floresça novamente — em nós, nos territórios, nas relações, nas formas de produzir e existir.
Regeneração é um conceito que vai além da sustentabilidade. Sustentar é manter — regenerar é revitalizar. É o processo de restaurar, reanimar e fortalecer os tecidos da vida, criando condições para que os sistemas — ecológicos, sociais, econômicos e espirituais — se renovem com integridade. Inspirada na natureza, a regeneração nos lembra que a vida é cíclica, interdependente e dinâmica. Em vez de reparar o que está quebrado apenas para que funcione novamente, ela nos convida a observar os padrões da vida e coevoluir com eles.
Na prática, isso significa cultivar relações com o território, com a comunidade e consigo mesmo que estejam em sintonia com os princípios vivos do planeta: diversidade, cooperação, adaptação, resiliência. Em vez de impor soluções de cima para baixo, ou buscar respostas lineares para problemas complexos, a regeneração nos convida a escutar o que já pulsa — e a agir em parceria com os ritmos da vida. É uma pedagogia do cuidado e da escuta, que se contrapõe à lógica da aceleração e do desempenho.
Regenerar não é voltar ao passado. É caminhar rumo a um futuro onde a vida tem mais espaço para ser.
É um chamado para restaurar vínculos, re-enraizar nossas práticas no cuidado com a terra e com os outros. É um compromisso com o futuro que não repete os erros do passado. Estamos, portanto, atravessando.
Mas atravessar não é apenas reagir — é escolher caminhar com consciência, mesmo sem saber exatamente como será o outro lado. É abraçar o inacabado, o em construção.
E essa não é uma travessia simples! Ela exige coragem para olhar o mundo e a nós mesmos com mais honestidade. Exige reconhecer que as estruturas que nos trouxeram até aqui — econômicas, políticas, educacionais, relacionais — não dão conta de cuidar da complexidade da vida. E, acima de tudo, exige um compromisso coletivo de construção: porque a travessia para a regeneração não é uma jornada individual, mas sim uma obra de muitas mãos, saberes e visões de mundo.
A travessia é coletiva — e pede novas formas de agir juntos
A travessia para a regeneração é como construir uma ponte entre dois mundos: o que colapsa e o que ainda está por vir. Mas essa ponte não está pronta — ela é feita em tempo real, com tijolos de confiança, madeira de escuta, cabos de diálogo, argamassa de cuidado. E, sobretudo, é construída no poder da diversidade. Nenhuma visão sozinha consegue sustentar esse movimento. Precisamos da ciência e do afeto, das tecnologias ancestrais e dos saberes emergentes, da política institucional e das articulações de base.
O que deixa claro que na raiz de um mundo em multi crises está algo profundo: a forma como nos relacionamos, como contamos histórias sobre quem somos e como, ao longo do tempo, desaprendemos a colaborar e a escutar uns aos outros. É na costura entre mundos e saberes que a travessia ganha força.
Mas costurar mundos exige método. Não basta estarmos juntos — é preciso saber como estar juntos. O que muitas vezes trava as potências dos coletivos que sonham com um mundo diferente não é a falta de vontade, mas a ausência de processos que possibilitem cooperação verdadeira. Escuta, empatia, presença, clareza de propósito e estrutura relacional são pilares invisíveis de toda mudança duradoura.
Então, a pergunta que nos fica é: como facilitar transformações coletivas, cultivando ambientes e relações colaborativas?
Uma das habilidades essenciais para quem atua ativamente na transformação do seu meio, seja ele social ou profissional, ou deseja ocupar esse papel de agente de mudança local para atravessar o velho paradigma rumo a um campo de experimentação com novas formas de estar e agir coletivamente é a facilitação de grupos.
Aprender a facilitar processos de co-criação e transformação não é apenas uma metodologia a ser aplicada — é cultivar espaços de escuta profunda, confiança e inteligência coletiva.
Facilitação é arte, presença e compromisso com o bem comum. É através dela que podemos recriar nossas histórias e novas formas de viver juntos.
Facilitar é um verbo que carrega leveza, mas requer firmeza. É criar condições para que um grupo encontre seu próprio caminho, seus próprios acordos, seus próprios ritmos. Permitindo que a inteligência coletiva emerja, que o conflito seja transformado em potência, e que as decisões ganhem legitimidade a partir da escuta de múltiplos pontos de vista.
Em tempos de transição, a facilitação se torna ainda mais relevante. Não estamos apenas conduzindo projetos ou reuniões. Estamos navegando incertezas, conflitos de valor, traumas coletivos e urgências planetárias.
Por isso, reconhecemos o poder da facilitação como uma chave para atravessar os desafios do século 21 e acessar futuros possíveis! Saber ler o campo coletivo, perceber as potências únicas de cada pessoa e criar formatos de colaboração libertadores faz parte de um movimento de desaprender a competir e reaprender a colaborar na diversidade que nos torna resilientes.
Quando a Facilitação é tecnologia social regenerativa
No encontro com a visão regenerativa, a habilidade de facilitação se transforma! Ela ganha profundidade, presença e propósito.
A regeneração nos convida a escutar não só as pessoas, mas também os ritmos da vida, os ciclos naturais, os campos invisíveis dos encontros. Ela amplia a facilitação para além da eficiência, nos lembrando que processos vivos precisam de cuidado, tempo e escuta verdadeira.
Nessa perspectiva, nasce um novo conceito: a Facilitação Regenerativa. Uma abordagem que integra práticas de facilitação com princípios vivos da natureza, da ecologia profunda, da pedagogia do cuidado, do olhar decolonial e dos saberes ancestrais. Ela não busca "resolver" tudo, mas sim criar espaços seguros onde o inédito possa emergir — com presença e intenção.
A Facilitação Regenerativa parte da pergunta: como facilitamos processos que cuidam da vida enquanto transformam sistemas?
Essa abordagem reconhece que todo grupo é um organismo vivo, com ritmos, camadas, dores e sonhos. E que facilitar é escutar esses pulsos, acolher suas tensões, oferecer contornos e criar rituais que favoreçam o florescimento coletivo.
É uma prática que une o rigor da escuta com a leveza da presença. Que reconhece a sabedoria dos corpos e territórios — externos e internos — onde se dão os processos coletivos. Que honra e sustenta o invisível — o silêncio, o sentir, o não saber — tanto quanto o tangível. Que cria espaços colaborativos onde a diversidade floresce como potência. E que compreende que nenhuma transformação sistêmica é sustentável sem nutrir relações de confiança.
Facilitar com um olhar regenerativo é um convite para cocriar mundos que cuidam de todos os mundos.
Convites para praticar a Facilitação Regenerativa
Se essa travessia ressoa em você, e se facilitar grupos e processos vivos de maneira mais autêntica, conectada e regeneradora te faz sentido, nosso primeiro convite é a Oficina Online “Facilitando Encontros e Processos Regenerativos”
A oficina será facilitada por Débora Timossi, Elen Cristina e Cacá Rhenius e acontecerá dentro da Comunidade Travessias, no dia 20 de maio (terça-feira), às 19h. Neste encontro, vamos experimentar algumas bases desta abordagem regenerativa de sustentar espaços de escuta, colaboração e inovação.
Para participar, basta assinar a Comunidade Travessias. Alguns dias antes você receberá o link para participação online.
Curso com a EcoUniversidade
Conheça o Curso de Facilitação Regenerativa da EcoUniversidade que acaba de ser lançado. Uma jornada de prática transformadora guiada por um círculo potente e diverso de 5 mentores — Cacá Rhenius, Débora Timossi, Elen Cristina, Sanket e Ubiraci Pataxó — com ampla experiência em facilitação, educação e processos participativos.
Durante 10 encontros online e ao vivo (às terças-feiras, das 19h às 21h), vamos cultivar novas formas de facilitar processos em um mundo em constante transformação, mergulhando na inteligência coletiva por meio de perguntas vivas, escuta sensível e ferramentas estratégicas.
Seguimos juntos na travessia rumo à regeneração humana e ambiental, desenvolvendo habilidades e tecnologias sociais essenciais para a inovação que precisamos, conectando mundos e nutrindo espaços para aprender não apenas com conceitos, mas com o corpo, com o grupo e com o território.
“O chão da escuta é o solo fértil onde brotam futuros possíveis.”
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