Um modo cuidadoso de habitar e viver
Travessia nº12: cuidar | #PraLerNaRede
Me chamo Carolina Duarte, sou mãe há 22 anos e comecei a refletir sobre o tema do Cuidado desde que soube da minha primeira gravidez, em 2001. Como psicóloga clínica e doula, este é um tema que perpassa meu cotidiano e ao mesmo tempo minhas mais desafiadoras reflexões acadêmicas. Fiquei muito grata e alegre com o convite da Travessias, Revista Digital da Bambual Editora, para fazer uma reflexão pessoal sobre o Cuidar, e não o Cuidado.
Cuidar… A palavra dita assim, em verbo, em ato, me convoca uma reticência, Cuidar... e depois um suspiro. Cabe tanta coisa aí dentro. Qual fio eu pego dessa vez?
Faz tempo, escrevi que o cuidado é o amor colocado em movimento e que cuidar é o ato de legitimar a existência daquilo, ou de quem se cuida.
Percorri um longo caminho entre saberes como psicologia, biologia, antropologia, física, filosofia para me apropriar da experiência de que todos nós somos fruto da mais sofisticada e ao mesmo tempo sutil qualidade de cuidado. Sintetizar este percurso aqui de forma argumentativa em poucas palavras é um grande desafio.
Sinto que existe um certo desgaste dessa palavra, cuidado, e também da palavra amor e talvez faça sentido começar pelo que não é cuidado. Cuidar de alguém ou de algo não é acreditar que você sabe o que é bom para este alguém. Precisamos começar por aí, porque durante muito tempo, o pensamento hegemônico euro centrado, capitalista e masculino se apropriou dessas palavras para disfarçar atitudes que na verdade eram de dominação e colonização do outro. Isso hoje é evidente na relação entre povos e culturas, práticas religiosas, e também nas relações mais intimas e mais fundamentais como as com familiares. Podemos perceber uma dimensão outra de complexidade quando nos damos conta de que as funções de cuidado mais importantes, aquelas que mantêm a engrenagem estrutural da sociedade em movimento, são as menos valorizadas e são também estruturalmente atribuídas às mulheres, especialmente mulheres negras.
Tenho visto muitas pessoas se atrapalharem tentando distinguir o que seria cuidado e o que seria tentativa de dominação. Gosto de partir do ponto onde podemos tomar consciência de que cada um de nós já fez barbaridades acreditando que estava cuidando. Desde coisas mais simples, tipo matar uma planta afogada, até causar um trauma no seu filho por excesso de algo. Na minha vida e na minha prática clínica eu percebo que a ideia de cuidar muitas vezes está muito relacionada a uma tentativa neurótica de evitação de algo, tem algum medo embutido no ato.
Ao mesmo tempo o cuidado, aquele bem colocado, também não traz somente conforto. Ele inclui mexer nas nossas feridas, físicas e anímicas. Ele inclui dor, limite, separação. Cuidar dá trabalho, exige presença e uma constante busca de uma justa medida, momento a momento, pessoa a pessoa. Ele é avesso a automatismos. A sua atenção precisa estar lá. Você precisa ser capaz de perceber o outro e o ambiente no qual estão inseridos, e para isso você vai precisar aguçar os sentidos. Você vai precisar sentir as sutilizas.