Poucas coisas no mundo me comovem mais do que histórias de boas amizades. E novembro foi um mês que me veio como uma avalanche delas.
Hesitei um pouco em trazer o tema para essa travessia, já que em tempos frenéticos e de imediatismo, me soa estranho escrever sobre coisas que aconteceram no mês passado…
Mas amizade é justamente isso: uma força que desobedece o tempo linear das coisas. Desobedece fronteiras, burocracias e qualquer coisa que seja mesquinha demais.
Então, voltando a avalanche de novembro… Ela começou no show do Milton Nascimento que abriu as cortinas com uma declaração de amor aos amigos. A música o levou para os cinco cantos do mundo, lhe trouxe muitos prêmios, mas foram os amigos que o fizeram ser o que ele é.
"Sem meus amigos a minha vida jamais teria sido o que vem sendo."
A minha também, Milton…
Eu já estava aos prantos muito antes de ouvir "amigo é coisa pra se guardar…", percebendo que o Bituca falava sobre os amigos de décadas, mas também daqueles que compartilhavam do seu caminho há menos tempo. Era um show sobre amizade. Era nítido que aqueles jovens instrumentistas que compunham a banda que fazia uma plateia de mais de sete mil pessoas chorarem também poderiam ser chamados de amigos de Milton Nascimento.
Eu arrisco dizer que eles não estavam ali para cumprir um protocolo, por causa de um cachê ou para acrescentar esse feito no currículo. Não… eles estavam ali para ver o Bituca brilhar, estavam ali para ver Milton emocionado, sorrindo, cantando. Essas coisas que fazem os amigos, sabe?
Foi bonito escutar Milton, com seus 80 anos, cantar pela penúltima vez em cima de um palco, mas foi arrebatador ver aquela banda puxar um coro que dizia amar aquele senhor que iluminava o centro da apresentação.
Oitenta anos… Oito décadas cultivando amizades que floresceram em músicas que emocionam todo um país.
A segunda parte da avalanche veio um final de semana depois, quando assisti o musical Clube da Esquina: Os sonhos não envelhecem, em cartaz no Teatro Liberdade (São Paulo). A peça conta e canta a história do grupo de jovens que produziram o primeiro LP duplo, eleito o melhor álbum da discografia nacional! Sim, o premiado disco Clube da Esquina é fruto de uma amizade bonita. De um grupo de jovens, em Minas Gerais, que sonhava em mudar o mundo com música.
Está aí uma coisa que a gente não pode esquecer nunca: Não moveremos muitas estruturas no mundo sem ter boas amizades cultivadas, sem ter um bom grupo que se escute mutuamente. Sem ter um ombro pra chorar as pitangas quando tudo parecer difícil demais. Ou até mesmo sem ter com quem dividir ou celebrar as conquistas. Porque são esses laços que nos ajudam a cuidar e manter a nossa própria estrutura interna.
Alguns vêm chamando isso de “rede de apoio” ou “comunidade”. Eu prefiro continuar chamando de amizade.
Amizade é essa coisa estranha, indefinida, que não tem padrão, que acontece muitas vezes na nossa vida. Mas sempre com uma história diferente. Amizade é essa força que nos move. Que nos faz acreditar. Que nos faz ser o que somos. E que nos faz ir além daquilo que pensamos ser.
Milton não seria o Bituca sem o Clube da Esquina (e vice versa). Caetano não iria tão longe sem Gil (e vice versa). E o que seria da história de Vinícius de Moraes sem Tom Jobim? E da vida de Maria Bethânia sem Gal Costa?
Agora pare e pense: o que seria de você sem seus laços de amizade?
Quando fecho os olhos e reflito sobre isso me sinto a pessoa mais afortunada do mundo. Lembro daquelas amizades de uma vida inteira e daquelas que duraram um dia, um encontro, mas que transformaram meu destino e me fizeram ir muito além daquilo que eu pensava ser. Eu sou muito melhor aos olhos dos meus amigos. E, às vezes, preciso desse olhar para me fazer ir além da minha visão turva e apequenada. Talvez, eu nem estivesse escrevendo essa newsletter, se não fosse alguns desses encontros que perduram uma vida toda.
A partida da Gal foi o Grand Finale da avalanche “perceber a amizade”. Foi bonito demais ver a trajetória dessa mulher sob o ponto de vista das amizades que manteve durante seus 77 anos. Os depoimentos de quem ficou com a saudade me fizeram enxergar essa mulher não apenas como diva de várias gerações, que foi inspiração de grandes mudanças, que foi mãe, que foi filha, namorada, musa… mas que foi, sobretudo, AMIGA.
E se tem um título que eu gosto de ter e de dar é esse: AMIGA.
É um título que vem sem burocracia alguma. Mas com muito significado e responsabilidades. O mais bonito é que nesse tipo de laço a gente não precisa assinar nenhum papel para saber que estaremos lá… na saúde e na doença, na alegria e na tristeza… sempre que as agendas coincidirem presencialmente, mas sempre encontraremos um jeito de nos fazer presentes mesmo que a distância seja maior que o oceano Atlântico.
Que em 2023 a gente possa cultivar as velhas amizades e que ainda sobre terra fértil para plantarmos novos vínculos que movem.
Afinal, quando Tom e Vinícius cantam “é impossível ser feliz sozinho”, pra mim, eles estão cantando sobre esse amor chamado amizade.
Quer enviar esse texto para um amigue?
Um apanhado de materiais que cruzei no mundo digital e que vale a pena compartilhar para você também abrir, ler e salvar nos favoritos. ;)
→ "As pessoas são mais generosas, mais engraçadas e mais fascinantes quando falam com e sobre seus amigos”. Confira os seis padrões de comportamentos que ajudam a formar amizades e mantê-las ao longo dos anos, segundo uma pesquisa feita por Julie Beck:
→ O que a não monogamia tem a ver com as amizades? Esse é o título do texto que Mariana Bastos publicou para falar sobre esse tipo de relação tão importante, mas que em geral é subestimada e rebaixada na hierarquia dos afetos. Leia aqui.
→ Para todos os amigos que ficaram na minha vida, mesmo depois de tantas mudanças. E para todos que ainda virão… Com a palavra, Jout Jout:
Há quem diga que as poesias são inúteis, sem função. E, talvez, em uma sociedade utilitarista, a poesia não tenha função mesmo. Mas, como diz Ailton Krenak, “a vida é inútil”. Então, para mim, a poesia é a celebração dos dias inúteis, das horas de contemplação da vida na sua forma mais pura. A poesia me atravessa todos os dias. Algumas cruzam meu caminho como uma carta de oráculo me pedindo alguma coisa, espero que esse te peça algo também.
Queria que todos os poemas se chamassem amizade Por Cássio de Oliveira José (Zero) Pudera eu ter a força do broto, para guardar o sensível vir a ser do infinito. Há de se escalar a maior das montanhas . Há de se subir para povoar a mais distante estrela. E não perceber no vão do distraído, que o amor estava no minusculo infinito, broto singelo do chão. A pressa indevida as cores da Vida Não quero o infinito que almeja a Nasa, quero o infinito de compartilhar o pão. Olhar para o lado e ver que o tesouro é ter amizade. Não faça o brilho do óbvio um chão a ser perdido. Que toda flor encontre seu jardim. Que todo encontro encontre o cuidado. Que todo amor desague no (a)mar da liberdade. Que nossa micropolítica seja também o carinho. E a fome desapareça no compartilhar de nosso alimento, enchada e sonhos. Meu bem maior é ser real, não posso ser o que não sou, essa é minha liberdade. O que pensam sobre nós, não vale o brio do coração. Não há maior saúde que a verdade da alma. A gente troca de pele como o céu muda de cor. É a sanfona do tempo a nos tocar ou a asa branca do seu Gonzaga a renascer? Fui pular a fogueira de São João e a poesia iluminou lá onde o Sol desencanta Por mais que a gente perca todas as batalhas, e sonhar se torne quase a beira do impossível, estou mais do que certo em ser convicto: A Vida sempre vence. O coração da baleia que disse... Do livro Poemas Para o Êxtase: Pelo Coração da Baleia Sem Fim
Todo mês uma playlist que inspirou a escrita dessa newsletter.
O texto de abertura dessa travessia foi cheio de histórias de bandas e grupos de cantores que fizeram da amizade inspiração para as suas vidas e obras.
A playlist do mês é sobre alguns desses encontros e outras canções que me fazem lembrar dos meus <3:
Essa é uma pergunta que costumamos fazer ao fim das reuniões da Bambual Editora. É uma ferramenta utilizada pela Teoria U e outros métodos de gestão de pessoas e projetos e se chama check out, ou no bom português: saideira!. É uma boa ferramenta para fazer consigo mesmo e checar como você se sente em relação a variadas situações: encontros, leituras, andanças, trabalhos…
Então, para encerrarmos esse caminho, me conta: como o tema amizade reverberou por aí? Sentiu vontade de ligar para uma amiga? Aproveita a vontade e liga!
Percebeu que precisa cuidar mais desses laços? Aproveite o final do ano para intencionar e organizar uma rotina que priorize esse cultivo.
Você pode compartilhar suas percepções e como essa travessia reverberou em você aqui nos comentários. Assim podemos criar novos diálogos sobre o tema. (Para comentar é só ir até o final do texto)
Essa foi a travessia de dezembro de 2022.
Na próxima semana você receberá um te indico um livro muito especial.
Quer saber mais sobre a newsletter travessias? Explicamos o intuito dela aqui.
travessias é uma newsletter interativa idealizada por Bruna Próspero Dani e co-realizada pela Bambual Editora, que é dedicada a publicação de livros e projetos para a transição global.