Era dia primeiro de janeiro de 2014.
Meus pés tocavam as ondas que batiam na costa do oceano pacífico, mais precisamente em uma praia secreta da ilha de Oahu, no Havaí. Meu coração batia sereno e cheio de sonhos, como só corações de vinte e poucos anos — que estão com amigos em uma praia de Honolulu— podem bater.
Naquele dia meus olhos perceberam uma pedra que me chamou a atenção. Era pequena, mas reluzente. Um verde que nunca tinha visto igual. A coloquei contra o sol para ver seus detalhes e ouvi André, meu amigo, dizer: "sua pedra da sorte, Bru!"
Guardei a tal pedra por anos e anos. Não sei em qual momento a perdi, mas nunca esqueci de seu formato, cor e toque. Talvez, porque, nunca tenha esquecido daquele dia.
Agora, vamos avançar no tempo e viajar sete anos, mais precisamente para agosto de 2021.
Era uma viagem rápida ao Rio de Janeiro. Além de rever amigos, também encontraria o Fábio, da Pono Upcycling, para pensarmos em fotos para o lançamento dos copos que são feitos a partir da transformação de garrafas de vidro.
Cheguei no bairro do Recreio, onde fica o Ateliê da Pono, e fui recebida com a empolgação de sempre do Fá. Depois de várias atualizações, ele me diz que já tinha uma ideia para compor as fotos do estúdio. “Vamos usar aquelas lascas de vidros que vão se polindo, sabe? Encontrei um monte pela praia ontem…”
E abre a mão cheio delas.
O que me fez lembrar muito daquela minha pedra da sorte…
Sim, cara pessoa que me lê, é isso mesmo que você deve estar pensando. A minha pedra da sorte, a pedra abençoada proveniente do solo havaiano, na verdade, não passava de um vidro lascado. Provavelmente parte de uma garrafa jogada em um lugar do mundo, que depois de anos e anos e muito trabalho do vento, do mar e do sol foi se lapidando… até parecer uma pedra especial. Uma pedra da sorte.
“Pô, Fá… você acabou de destruir toda uma história bonita na minha cabeça. Minha pedra da sorte não passa de uma lasca de vidro, então?”
Essa pode parecer uma história boba, mas são muitas as pedras da sorte que, na verdade, não passam de um vidro polido na nossa vida.
Abrir mão das nossas certezas, das estórias que criamos para a nossa história é parte fundamental do autoconhecimento. Assim como para a evolução coletiva.
Ao nos darmos conta de um conhecimento, podemos escolher ignorá-lo ou agir sobre ele. Para mim, é nesse momento que o conhecimento se torna sabedoria. Por exemplo, do que adianta ler um livro sobre racismo, se na prática, não existe nenhuma mudança de comportamento? O que adianta fazer um curso de gestão financeira, se na prática, continuo agindo da mesma forma com o dinheiro?
É como escolher continuar chamando um vidro lascado de pedra da sorte das rochas havaianas. É mentir pra si mesmo. Conhecimento sobre algo não basta…
A pergunta que tenho me feito diariamente é: o que eu faço com os conteúdos que tomo conhecimento? (Conteúdos internos e externos). Jogo pra debaixo do tapete e finjo que não vi?
O que você fez quando soube que o planeta era saqueado?
É o que pergunta o poema de Drew Dellinger, “Escada Hieroglífica”, trazido para o livro Design de Culturas Regenerativas, de Daniel Wahl.
E eu trago outras perguntas para refletirmos...
O que você faz quando descobre uma parte sua imatura?
O que você faz quando percebe que errou?
O que você faz quando se descobre menos evoluído do que imaginava?
O que você faz quando descobre que o planeta corre perigo?
O que você faz quando descobre uma parte sua racista?
O que você faz quando descobre uma parte sua machista?
O que você faz quando descobre que precisa mudar hábitos cotidianos para diminuir as consequencias de uma crise climática?
Podemos escolher fingir que não vimos. Às vezes, é desejado até o desconhecimento. Hoje eu entendo o ditado “a ignorância é uma benção”. Não é fácil olhar para as sombras, muito menos para as nossas próprias falhas, nossas incongruências, ou para mudanças estruturais e profundas demais que precisamos fazer. Mas ao escolhermos não olhar para elas, a vida pode ficar miseravelmente mais sem graça. E cruelmente mais perigosa para o todo.
"ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz mas sim por tornar consciente a escuridão.
Já dizia Jung…
Falar de Jung, me fez lembrar outro episódio pessoal. Dessa vez, bem recente, na minha sessão de análise. E o diálogo foi assim:
“Que bom que tudo isso veio a tona.”, disse minha analista.
Silêncio.
“É.. que bom…” Eu disse, só para ocupar aquele vazio existencial silencioso de quem se dá conta de um monte de coisa interna que não queria se dar conta.
“Só uma analista para falar uma coisa dessas, né?”, ela complementou rindo e logo continuou:
“Mas é muito bom que essas coisam estejam vindo a tona, Bruna. É preciso olhar para elas. Saber que elas existem para que você possa jogar luz nelas, aos poucos...”
"É, verdade… é verdade.”
Silencio reflexivo. “E agora, o que eu faço com tudo isso?” Pensei comigo…
“Nos vemos na semana que vem?”
A sessão encerra e só me vem um refrão na cabeça:
🎶
(Para) se conhecer de verdade, coragem…
que coragem…
— Castelo Branco.
Um apanhado de materiais que cruzei no mundo digital e que vale a pena compartilhar para você também abrir, ler e salvar nos favoritos. ;)
→ Um texto cruel-engraçado-vida real, como todos os textos de Ruth Manus, dessa vez sobre o trabalho exaustivo do autoconhecimento:
Como diria Gal, tudo é divino, tudo é maravilhoso…Mas é preciso atenção ao dobrar as esquinas. Um resumo de notícias que precisamos nos atentar e agir:
→ “Ah! Ele é louco” eu dizia essa frase aos sete ventos até encontrar essa reflexão importantíssima da psicologa Flávia Albuquerque. Depois disso, escolhi não mais estigmatizar a loucura…
→ ”O estado de presença é a contramão da ilusão” uma reflexão importante sobre o impacto das fakes news em uma sociedade. Será que alguns estão escolhendo se iludir? Fica a reflexão…
O mundo não precisa de mais produtos ou negócios que não impactem positivamente o planeta. Muito pelo contrário, estamos é precisando de negócios que resolvam os problemas que a sociedade causou até aqui. A boa notícia? É que já tem uma porção deles surgindo e atuando. Trago aqui um apanhado para que cada um possa se inspirar e apoiar essas novas formas de estar no mundo.
→ O que você faria se descobrisse que o vidro é um dos materiais menos recicláveis do seu país? Quando se deu conta disso, o Fábio Martinazzo criou a Pono Upcycling. Um negócio de impacto socioambiental que transforma garrafas de vidro em novos objetos. Copos, velas ecológicas, vasos e potes são as principais transformações feitas no ateliê da Pono.
Eu tive a honra de participar desse projeto desde quando tudo ainda era um embrião e ver essa evolução acontecendo dia após dia me enche de orgulho e esperanças.
Conheça mais aqui:
Sou do time que lê muitos livros ao mesmo tempo e, vez em sempre, abro um livro já lido só para ver alguma parte que grifei no passado. Trago aqui um pouco daquilo que grifei, pois existem trechos que são faíscas e podem despertar uma grande combustão.
“Por mais difícil que tenha sido entrar em contato com essa realidade, foi libertador enxergar esse lado de minha história.”
- Adriana Hack (Um Novo Mundo É Possível)
O trecho acima é um esquenta para o terceiro episódio do podcast #Li, Grifei, Compartilhei,que sai nas próximas semanas.
Enquanto ele não vem, que tal escutar o segundo episódio? Ou ler a entrevista que fiz com Jamil Chade e Juliana Monteiro?
Todo mês uma playlist que inspirou a escrita dessa newsletter.
Aqui vai uma seleção de composições escritas por quem não tem medo de olhar para dentro! ;)
Essa é uma pergunta que costumamos fazer ao fim das reuniões da Bambual Editora. É uma ferramenta utilizada pela Teoria U e outros métodos de gestão de pessoas e projetos e se chama check out, ou no bom português: saideira!. É uma boa ferramenta para fazer consigo mesmo e checar como você se sente em relação a variadas situações: encontros, leituras, andanças, trabalhos…
Para encerrarmos esse caminho, me conta: quais perguntas você se faz depois dessa travessia? O que você anda fazendo com o conhecimento que se dá conta?
Você pode compartilhar suas percepções e como essa travessia reverberou em você aqui nos comentários. Assim podemos criar novos diálogos sobre o tema. (Para comentar é só ir até o final do texto).
Essa foi a travessia de novembro de 2022. Mas a travessia sempre continua…
Na próxima semana tem o te indico um livro que traremos uma leitura cheia de autodescobertas e na outra semana tem mais um li, grifei, compartilhei.
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Quer saber mais sobre a newsletter travessias? Explicamos o intuito dela aqui.
travessias é uma newsletter interativa idealizada por Bruna Próspero Dani e co-realizada pela Bambual Editora, que é dedicada a publicação de livros e projetos para a transição global.
Gostei!
Uma vez uma pessoa me lembrou que conhecimento pelo conhecimento é perigoso. É necessário colocá-lo em movimento!
ótima reflexão