Tempos urgentes nos pedem novas formas de nos relacionarmos
travessia #7: transições
Transição e Relações: Dois temas tão amplos e importantes. Poderia dizer sem exagero que permeiam praticamente todos os níveis de nossa existência.
Afinal, viver é se relacionar, no tempo e no espaço, com outras formas de vida e coisas... E a vida, impermanente que é, se desenrola em ciclos que transacionam a cada volta e, também, em cada elo de relação.
Nesse admirável mundo novo em que existimos, cada vez mais as diversas formas de vida mostram suas necessidades de cuidado, ao mesmo tempo que cada vez mais pessoas sentem necessidade de cuidar e de serem cuidadas em diferentes camadas de suas relações.
Vivemos tempos de múltiplas crises. É urgente promover transições conscientes e radicais em nossas relações com praticamente tudo e isto é, muitas vezes, desesperador – o que pode levar a uma apatia que dificulta a promoção dessas transições que tanto queremos e sabemos serem importantes e necessárias.
E não são poucas as camadas de atenção e ação. De maneira geral, precisamos, realmente, transacionar a forma como nos relacionamos, individual e coletivamente: conosco; com as outras pessoas; com os outros seres; com a natureza; com os espaços; e com o Grande Mistério.
Por onde começar?
Um caminho é começar a partir da consciência dessa rede de relações à qual pertencemos e influenciamos. Não é pouca coisa, mas é o básico para podermos fazer as melhores escolhas de como agir para promover essa transição que desejamos.
As sabedorias ancestrais, dentre tantas coisas, nos ensinam sobre a interconectividade e interdependência de tudo o que existe, como diz o provérbio africano:
“Cada um de nós é por que nós somos”
Esse ‘nós’ é amplo e inclui toda a Teia da Vida; é a sabedoria que nos conta que cada ser vivo se relaciona e depende da saúde da água, do solo e do ar de onde vive; reconhece que cada célula de nosso corpo é formada pelos mesmos elementos químicos que formam o corpo de Gaia; nos convida a estarmos conscientes de que intersomos com o planeta e o cosmos.
Intersomos?
“[...] ‘ser’ é interser. Você simplesmente não pode ‘ser’ por você mesmo, sozinho. Você tem que interser com cada uma das outras coisas. Esta folha de papel é porque tudo o mais é.”
- Thich Nhat Hanh em seu poema ‘Interser’
Quando me deparei com esse poema e com o conceito de interser pela primeira vez, tive um daqueles clarões do tipo:
“Aha! Esse é o nome daquele sentimento de pertencimento e conexão que experiencio em alguns momentos da vida!”
Ao mesmo tempo que me dei conta de que, mesmo quando não estou com esse sentimento harmonioso, ou pelo contrário, estou em conflito, continuo intersendo nessa relação. Fritjof Capra fala que "a crise global, em sua raiz, é uma crise de percepção".
E, mesmo que não gostemos, tal falta de percepção integra, 'inter-é', com o conjunto de características da cultura em que vivemos – responsável por essa tradição mecanicista e fragmentadora que isola as partes e ignora a relação entre elas.
E o mais espantoso é que 'intersomos' com essa tradição que nega a interdependência da vida! Já refletiu sobre isso?
Somos constantemente bombardeados por estímulos e distrações a ponto de deixarmos de enxergar o óbvio. Anestesiados e distraídos, muitas vezes não reconhecemos as crises generalizadas pelas quais estamos passando – as quais existem, principalmente, por negarmos que as questões que enfrentamos são sistêmicas.
Vivemos em tempos de monoculturas, incluindo o que Vandana Shiva chama de "Monocultura da Mente". E com uma forma de ver o mundo dominante, assistimos pacatos a destruição da nossa casa Mãe Gaia.
É realmente urgente promovermos outras formas de estarmos e sermos no mundo. E uma estratégia importante é semear e valorizar narrativas que enxergam, descrevem e respeitam cada ser como parte integrante da Teia da Vida.
No livro "Design de Culturas Regenerativas", Daniel Wahl escreve:
“Em muitas maneiras, a palavra 'interser' descreve uma mudança de percepção de si e do outro e mora no centro da cocriação das culturas regenerativas e da presença sustentável dos humanos na Terra.”
Gaia, como organismo vivo, hoje depende também da manutenção da forma de viver, já sustentável, que os povos originários desenvolveram e que são exemplos de como estar e se relacionar na Terra e com a Terra, com a consciência de 'interser' com ela.
Para nós, pessoas interessadas em garantir a continuidade das vidas no planeta, estarmos conscientes de que 'intersomos' com Gaia e de que nos afetamos mutuamente é um passo importante para apoiarmos e co-criarmos uma cultura que sustente a Vida.
Se temos a intenção de agir e trabalhar para a co-criação de culturas regenerativas, também é importante estarmos conscientes de que 'intersomos' com a dor do mundo; que nossas dores individuais se somam às nossas dores coletivas; que a falta de saúde dos indivíduos humanos está diretamente relacionada à falta de saúde de Gaia, assim como nossa saúde individual 'inter-é' com a saúde planetária.
Ao mesmo tempo, não podemos deixar de lembrar, que também 'intersomos' com todas as muitas iniciativas que promovem transições para a construção dessa cultura de parceria que queremos ver presente em nossas relações.
E – um ponto paradoxal e importante – é que além de estarmos conscientes de que intersomos com a Teia da Vida, cada forma de vida precisa ter seu espaço individual respeitado. O que nos convida a enxergar e compreender o mundo a partir de uma perspectiva que reconhece a interconexão de toda a Teia da Vida e, ao mesmo tempo, o espaço sagrado de cada uma de suas manifestações.
Em última análise, o convite é para ampliarmos nossa percepção sobre nós mesmos, compreender nosso próprio espaço e o espaço sagrado das outras vidas, e, simultaneamente, nos reconhecermos intersendo com cada uma delas, de forma que possamos nos relacionar com respeito mútuo, conscientes que cuidar de si e do todo é a mesma coisa.
Com o que você quer 'interser' mais profundamente, a fim de tecer com a Teia da Vida, fortalecendo elos e eixos dessas relações para a transacionar nossa forma de viver e promover uma cultura regenerativa?
Finalizo com a saudação nativa norte-americana, que significa “por todas nossas relações”, a qual reflete o sentimento de que estamos todos relacionados e conectados – seres humanos, animais, minerais, a Terra, as estrelas e todo o Grande Mistério: Aho Mitakuye Oyasin.
💠 Histórias de interser para crianças e adultos
O livro Se Você Olhar Bem traz, através de uma escrita delicada e ilustrações livres, uma narrativa com um convite para percebermos o fluir da vida e a profunda interdependência da existência, o interser.
Um livro em homenagem ao mestre Thich Nhat Hanh, com linguagem para os corações de crianças e adultos.
💠 Meditação para Interser com o todo
Uma prática foi desenvolvida com o intuito de fortalecer o nosso sentimento de humanidade compartilhada e interser, aquele sentimento de conexão com o todo e de pertencimento, que nos faz sentir parte da humanidade e do mundo:
💠 Conheça Vandana Shiva
Vandana Shiva, Ph.D. em filosofia e ativista pelo meio ambiente indiana, esclarece seu conceito de "Monocultura da mente". A incapacidade de enxergar a diversidade é a monocultura da mente, uma ferramenta de poder para controlar a vida.
Esse é um trecho da Conferência do Fronteiras do Pensamento em 2012. Se esse trecho te instigou, aproveite para assistir outros da série oferecida pelo canal Fronteiras do Pensamento.
Tem alguma dica relacionada a esse tema? Deixe nos comentários! ;)
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