O que você tem contemplado no seu cotidiano?
A Vita Contemplativa ou sobre a Inatividade | #TeIndicoUmLivro
“O objetivo último dos esforços humanos é a inatividade”.
É o que propõe Byung-Chul Han, em seu livro 'A Vita Contemplativa ou sobre a inatividade', publicado em 2023.
O filósofo contemporâneo é conhecido por criticar o modo como o sistema capitalista moderno têm atualizado suas estratégias de explorar nossa subjetividade. Nesse contexto, somos constantemente impulsionados a produzir, a sermos eficientes e a alcançar metas cada vez mais altas, em uma pressão constante, que segundo o autor, leva ao esgotamento, à depressão e à perda de sentido da vida.
Em a ‘A Vita Contemplativa ou sobre a inatividade', o autor transita do diagnóstico dos sintomas contemporâneos presentes em seus livros anteriores, a uma proposta aparentemente contraintuitiva: ele nos convida a refletir sobre o valor da contemplação em um mundo cada vez mais acelerado e produtivista.
Essa discussão, me levou a olhar para alguns aspectos da minha vida profissional enquanto pesquisadora, que se dedica a analisar as dinâmicas culturais contemporâneas, especialmente através da arte e da cultura.
A pesquisa acadêmica ou aplicada ao mercado, muitas vezes vista como uma atividade frenética de busca por respostas, também exige momentos de pausa e contemplação. É na inatividade, durante a leitura de um texto ou a análise de dados, que as ideias mais originais podem surgir.
Essa dimensão contemplativa da pesquisa se aproxima da experiência do artista, que necessita de tempo e espaço para que a criação possa florescer.
A inatividade, longe de ser uma perda de tempo, é um estado essencial para a criatividade.
A abstração, que advém da fruição do tempo, sem métrica ou mensuração, é um fundamento para criar uma obra que traga um elemento novo, uma inovação. Han afirma:
“Se perdemos a capacidade para a inatividade, igualamo-nos a uma máquina que deve apenas funcionar.
A verdadeira vida começa quando cessa a preocupação com a sobrevivência, com a necessidade da vida crua. O objetivo último dos esforços humanos é a inatividade. A ação é, de fato, constitutiva para a história, mas não é uma força formadora da cultura.
Não a guerra, mas a festa, não as armas, mas as joias, são a origem da cultura.”
As mesmas coisas que podem ter uma dimensão contemplativa, pode também estar à serviço de algo, o que descaracteriza essa dimensão e nos leva ao modus de sobrevivência. Perdendo a dimensão contemplativa, festiva que está presente, por exemplo, nos rituais, nas festas, nos páthos, deixamos de criar por motivos que não sejam os do capitalismo. Byung-Chul Han defende a ideia de que no estado de inatividade, nós criamos, mas não para os fins do capitalismo, portanto, aqui a inatividade é o que vai dar alegria de estar vivo, é o impulso criativo, é ciclo de celebração que dá sentido para vida.
Enquanto escrevo este texto em meio à aceleração e produtividade constantes, me deparo com uma manchete alarmante:
“Quase 7 milhões de brasileiros deixaram de lado a prática de leitura nos últimos quatro anos”.
Os dados da edição 2024 da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró Livro em 208 municípios, revelam que pela primeira vez na série histórica da pesquisa, a proporção de não-leitores supera a de leitores: 53% das pessoas não leram nem mesmo parte de um livro — impresso ou digital — nos três meses anteriores à pesquisa.
Algumas das problemáticas reveladas pela pesquisa, apontam para:
Excesso do uso da tecnologia: A diminuição do público leitor está diretamente relacionada ao uso excessivo de dispositivos tecnológicos e aos estímulos associados.
Interrupção das políticas de distribuição de livros: Isso afeta o acesso à leitura, especialmente porque mais de 60% dos estudantes dependem de bibliotecas escolares e públicas.
Enfraquecimento das práticas pedagógicas: Há uma queda nas iniciativas que incentivam a leitura nas escolas.
Sabemos que a leitura, como ato de contemplação, é fundamental para o desenvolvimento do pensamento crítico e da capacidade de se conectar com o mundo. Além dos impactos do uso excessivo das redes sociais na diminuição da prática de leitura, é preciso dizer: o cansaço é um fator que influencia nessa tomada de decisão e o tempo na contemporaneidade é um ativo cada vez mais escasso.
As pessoas que não leem livros, também têm dificuldade de praticar outras atividades de lazer no tempo livre, inclusive o uso da internet e redes sociais.
Portanto, ao meu ver, a diminuição do hábito de ler é um sintoma diretamente associado aos apontamentos trazidos por Byung-Chul Han. Os abismos sociais de uma sociedade cada vez mais desigual, adoecida e movida pelo impulso do desempenho produtivista são enormes; sinais não faltam para ilustrar os desafios que a contemporaneidade vem enfrentando em decorrência desse modelo neoliberal, visíveis na saúde mental da população e na redução de práticas de contemplação e consumo cultural.
Em contrapartida, há um incentivo cada vez mais acentuado de se olhar para o futuro, talvez como fuga para não lidar ativamente com os problemas emergentes do presente.
Convido vocês a lerem 'A Vita Contemplativa ou sobre a inatividade' para se conectar com aquilo que dá pulsão de vida. Permitindo-se refletir sobre suas próprias estratégias de contemplação.
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