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O que é que precisa regenerar?
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O que é que precisa regenerar?

travessia #19: regenerar

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Bruna Buch
mai 26, 2025
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O que é que precisa regenerar?
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Quando olhamos cuidadosamente para o mundo em que estamos vivendo, sabemos e sentimos que algo deu errado. Isso não é fascinante por si só?

Para saber que algo não anda bem é preciso ter memória. É preciso que tenhamos ouvido histórias sobre como a vida era antes desse tempo, para entender onde chegamos. Se há algo belo na espécie humana é, sem dúvida, a nossa capacidade de criar histórias sensíveis e passá-las adiante. Muitas delas foram narradas pelos ancestrais, mas também conhecemos histórias contadas pelo próprio planeta, inscritas nos corpos e células de animais e vegetais, nas rochas e leitos de rios. Quando eu ouço as histórias mais antigas sobre a Terra, descubro que a regeneração é um processo inerente ao próprio sistema planetário. Gaia passou por inúmeros fins e se recuperou de todos, até agora.

Então, o que é que precisa regenerar?

Se vivemos em um planeta em que a vida, efetivamente, fabrica, modela e muda o meio ambiente ao qual se adapta, e é realimentada por ele graças à interações cíclicas constantes, como disse Lynn Margulis na Teoria de Gaia, então, tudo o que fazemos é parte da experiência terrestre de ciclos de transformação. Há bilhões de anos antes de qualquer animal pensar em existir, as cianobactérias provocaram um evento global de extinção que eliminou boa parte da vida que não sabia como lidar com o oxigênio, resíduo do seu metabolismo. Hoje sabemos que a diversidade da vida floresceu graças a esse elemento.

Mais recentemente, há 400 milhões de anos, acredita-se que o surgimento das primeiras florestas também provocou uma mudança climática global. As raízes de Archaeopteris, uma samambaia gigante, causaram o intemperismo do solo e uma maior absorção de CO2, potencializada também pela própria fotossíntese. Isso diminuiu o efeito estufa vigente e contribuiu para um resfriamento global. Esse evento culminou na extinção de vários animais marinhos, mas também favoreceu a diversificação de insetos gigantes no período subsequente. Foi preciso a invenção de uma parceria entre plantas e herbívoros, para que as florestas pudessem estar em equilíbrio com o sistema.

Que tipo de equilíbrio a nossa espécie precisa criar com o planeta?

Nossos ancestrais humanos inventaram muitas formas de honrar a terra. Havia uma reverência pelas forças imensuráveis do cosmos, um respeito mesclado com medo. A terra era celebrada e cuidada como uma divindade, através de oferendas, danças e cantos. Monumentos foram construídos e histórias sobre a generosidade e a preciosidade da vida atravessaram o tempo. A nossa desconexão com essas práticas é muito recente e, por sorte, não foi adotada por todas as sociedades humanas. Os povos tradicionais de vários continentes ainda sustentam cosmovisões que celebram a vida.

De certa maneira, podemos dizer que, apesar do processo de desencantamento pela modernidade, o equilíbrio entre a nossa espécie e o planeta não foi totalmente perdido. Mas essa visão que objetifica a vida e seus processos trouxe muita degradação, sofrimento e ressentimento nos últimos séculos.

Como a Terra é um sistema que se autorregula, a regeneração espontaneamente surge como um processo natural na nossa paisagem mental, inspirando pessoas a olharem para outros modos de existir.

É tão certo quanto o dia após a noite. A regeneração acontece simplesmente porque reconhecemos a ferida. E reconhecer as feridas do nosso mundo é acessar a nossa interconexão com a teia da vida, o nosso pertencimento mútuo. E isso está acontecendo agora: estamos nos dando conta do nosso corpo extenso do qual não podemos nunca nos separar.

A dor tem o seu propósito: é um sinal de alerta que tem como objetivo causar uma ação para solucioná-la. A dor pode ser entendida como a força motriz que coloca a regeneração em movimento. Para isso, é essencial que possamos identificar internamente o que mais tem partido o nosso coração quando vemos o que está acontecendo com o nosso mundo. É desse lugar que a ação pode emergir.

Como diz Joanna Macy:

“A ação não é um fardo a ser carregado em nossos ombros. Ação é algo que somos. O trabalho que temos de fazer pode ser visto como uma espécie de despertar. Mais do que um imperativo moral, é um despertar para nossa verdadeira natureza, uma liberação de nossos dons. Esse fluxo de energia e ideias é, a todo momento, dirigido por nossa escolha. Esse é o nosso papel nele. Somos como um portal que pode direcionar esse fluxo por meio do treinamento da nossa intenção”.

Precisamos, portanto, regenerar a nossa intenção.

Precisamos encontrar o equilíbrio entre ser e interser. Precisamos transver tudo o que já foi dito sobre o mundo com o intuito de compreender que não estamos nem abaixo e nem acima da teia da vida: estamos dentro. Precisamos de contadores de histórias sensíveis e de comunidades conectadas pela motivação mais bonita: sentir o mundo fluindo dentro de si.

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