Cada pessoa que chega a este mundo vem conectada à mãe por um cordão umbilical.
Carregamos em nossos corpos a marca de um tempo em que respiramos e fomos nutridos por outro corpo. No entanto, quando ouvimos dizer que estamos conectados à teia da vida parece algo abstrato e difícil de perceber. Uma vez que essa conexão física é rompida com o nosso nascimento, fica menos óbvio perceber o elo invisível do cuidado que segue conosco.
O ato de cuidar é uma das evidências da nossa interconexão. Em biologia descreve-se este comportamento como cuidado parental, uma estratégia evolucionária de investimento de tempo e zelo com os filhotes que pode ser mais intensa para ambos os pais, só para as fêmeas ou só para os machos, como é o caso do peixe Aruanã, cujo macho protege os filhotes dentro da boca por até seis semanas.
O cuidado parental é dispensado até que os filhotes consigam obter o seu próprio alimento e se proteger de ameaças. Em algum momento, estes animais confiarão na sua comunidade ou no próprio ecossistema que habitam, pois, cada ser vivo sabe encontrar os cuidados necessários nos elementos da natureza, nas plantas que curam e nos refúgios que acolhem em situações de perigo.
Embora não percebamos, nosso planeta é um grande corpo de afetos onde todos são sustentados.
Mas há, ainda, algo mais extraordinário e que desafia os cientistas há tempos. São os atos de altruísmo vistos entre animais não aparentados. Para a ciência, essa habilidade de cuidar sem receber uma recompensa imediata só faria sentido se houvesse algum ganho para a linhagem, como no caso de uma fêmea ou macho se sacrificando pela prole.
Mas há casos em que não há relação de parentesco entre os envolvidos ou eles podem ainda ser de espécies diferentes. Uma dessas parcerias observadas na natureza é a do texugo caçando junto com o coiote nas pradarias. O texugo empresta suas habilidades para cavar tocas de roedores enquanto o coiote usa a sua rapidez para segurar a presa. Em cada caçada, apenas um dos dois se alimenta, mas a longo prazo essa parceria acaba compensando para ambos. Este tipo de comportamento é chamado de altruísmo recíproco, em que a obtenção de vantagens mútuas depende da cooperação.
No entanto, outras linhas de pensamento dentro da ciência do comportamento animal estão estudando a interdependência como base para o comportamento altruísta ao invés da reciprocidade. Neste caso, a interdependência significa que os cooperadores podem se beneficiar como consequência secundária da ajuda a seus beneficiários, ao invés de receber algo de imediato. Um exemplo é o das baleias-jubarte, que foram observadas protegendo filhotes de foca do ataque das orcas. As baleias e focas compartilham o mesmo ambiente e são ameaçadas pelo mesmo predador. Inibir o ataque das orcas é uma vantagem para toda a comunidade.
Essa visão do cuidado através da interdependência é bastante antiga e está descrita, por exemplo, nas tradições orientais há mais de 2600 anos, desde a época do Buda. Em seu livro, World As Lover, World As Self, Joanna Macy traduz, para o nosso tempo e cultura, o significado desse conceito:
“A interdependência se refere à maneira como as coisas funcionam, como os eventos acontecem e se relacionam uns com os outros. (...) Todos os aspectos do nosso mundo e todos os fatores de nossas vidas subsistem em uma teia dinâmica de interdependência. Para o olho físico, parecemos projetos separados, andando por aí em corpos separados.
Mas, existimos em hierarquias aninhadas de sistemas naturais, desde as moléculas e órgãos que compreendem nossos corpos até os sistemas sociais e ecossistemas que nos sustentam de fora”.
Para resumir: nós somos porquê intersomos.
A nossa existência é muito mais complexa do que conseguimos descrever, pois precisamos de uma visão não-linear de como as coisas acontecem. Imaginar uma grande teia de processos autorreguladores acontecendo dinamicamente é impraticável para a nossa mente. Mas sempre é possível ver um pedaço desse todo operando em comunidades humanas e não-humanas que praticam o cuidado.
A cada vez que nos damos conta da imensidão de acontecimentos e surpresas a que somos submetidos ao longo de nossas vidas, percebemos que não estamos sozinhos. Sempre encontramos outras pessoas enfrentando processos muito parecidos com os nossos. Assim, cuidar de mim é cuidar do outro, e cuidar do outro é cuidar de mim. Pode ser que não percebamos os benefícios da prática do cuidado mútuo imediatamente em nossas vidas, mas já sabemos como a falta de cuidado com o nosso planeta tem afetado a todos.
Desejo que a gente possa treinar a nossa visão de um mundo interdependente através da prática do cuidado mútuo e, assim, cultivar alguma chance de a vida seguir florescendo em todas as suas formas.
💠Trabalho que Reconecta
Uma experiência imersiva para treinar a nossa visão de um mundo interdependente através da prática do cuidado mútuo. O Trabalho Que Reconecta é um conjunto de atividades desenhadas para abrir espaço para o nosso potencial curativo e construir parcerias para as transformações necessárias. Nos dias 27 a 31 de março vai acontecer a Imersão do TQR na Fazenda Serrinha em Bragança Paulista (SP). Informações detalhas aqui.
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muito bom