Entre o Colapso e o Nascer de Um Novo Mundo
Já não somos o que fomos, nem o que seremos | Travessia #16: transformar
Estamos, coletivamente, em um momento “entre” — entre o que está desmoronando e o que ainda está por vir.
A pergunta é:
Como nos posicionamos neste intervalo?
Diante de múltiplas crises que convergem, podemos ver em diferentes áreas o que dizem seus especialistas.
Cientistas alertam sobre o ponto de não retorno, com nossos ecossistemas exauridos e sem possibilidade de restaurar o equilíbrio climático que conhecemos. Porém, ao contrário do que a narrativa hegemônica quer nos fazer acreditar, a culpa não é da humanidade como um todo, mas de uma minoria poderosa, cujos interesses egoístas trazem essas consequências devastadoras para toda a vida em nosso planeta.
Na Filosofia, Marilena Chauí nos faz refletir sobre a transformação da nossa subjetividade diante dos avanços tecnológicos. Ela destaca o smartphone como um "objeto de servidão", que anula nossa relação corporal com o espaço, onde tudo se restringe à tela. Onde a lógica do ‘agora permanente’ transforma nossa relação com o tempo, reduzindo nossa percepção de passado e futuro. E que esses fenômenos estreitam nossa experiência, confinando-nos ao dispositivo. Ela argumenta que não estamos apenas vivendo uma mudança tecnológica, mas uma verdadeira mutação civilizacional, rápida e violenta, que nos traz a ilusão de liberdade. No entanto, nos lembra que somos apenas usuários, não criadores. E que os verdadeiros criadores são os donos dos oligopólios que controlam nossas mentes, corpos e sentimentos.
O que nos leva a questionar:
Quais serão as consequências dessa mudança radical de nossa forma de ser e estar no mundo?
Enquanto isso, na política, estamos entre encontros como o do G20, com belas declarações, mas pouca transparência sobre os planos reais de implementação, e guerras insanas, sem fim.
E, até na astrologia, acreditando ou não, astrólogos nos contam que Plutão entrou em Aquário, iniciando um trânsito de 20 anos e que, nas últimas vezes que isso aconteceu com os astros, trouxe grandes transformações culturais aqui na Terra: Da Idade Média ao Renascimento; A Revelação de Copérnico do heliocentrismo que culminou com a Revolução Científica; e a Revolução Francesa. Agora que vivemos um desses períodos, será que algo grandioso assim está para acontecer?
No meio disso tudo, eu pergunto:
Como é que você está?
Não tem sido fácil… A vida engole, são tantos "incêndios" para apagar que é difícil levantar a cabeça e olhar para o horizonte e além. Somos muitos os perdidos que pendemos entre o desespero e a apatia. Em chinês, a palavra "crise" é composta por dois ideogramas: um significa "problema" e o outro "oportunidade".
Um convite para olharmos para todos esses desafios e escolhermos como queremos nos posicionar nesse fluxo.
Vamos seguir como vítimas ou como protagonistas?
Em meio a tantas urgências, a maior delas talvez seja a de transformarmos nossa visão de mundo — essa lente invisível, moldada por nossos valores, ideias organizadoras e pela cultura que nos rodeia.
Marcelo Gleiser, em seu livro O Despertar do Universo Consciente, sugere que:
“O primeiro passo é recontarmos a história de quem somos.”
Por séculos, estivemos imersos em uma cultura patriarcal e mecanicista de dominação e controle, de exploração da natureza e das pessoas. Essa mentalidade nos trouxe ao limite, afastando-nos da consciência de interdependência e da possibilidade de uma vida equilibrada e sustentável. Ela gerou imensos avanços técnicos, mas também nos conduziu a crises sociais, ecológicas e espirituais que ameaçam a continuidade da vida como a conhecemos.
Ao longo de todo esse período de colonizações, os povos originários de todos os lugares têm lutado com seus corpos para proteger as florestas do mundo. Porém, são sistematicamente forçados a sair de seus territórios, vivendo marginalizados e empobrecidos nos grandes centros urbanos, afastados de suas raízes. Como nos lembra Angela Davis:
"Temos que falar sobre libertar mentes tanto quanto sobre libertar a sociedade."
Essa reflexão nos convida a pensar sobre o quanto nossas mentes, aprisionadas em crenças e sistemas de valores, sustentam a forma como vivemos. Segundo Chauí, explicando Spinoza, a liberdade não seria sobre uma escolha voluntária entre opções, mas sobre fazer aquilo que é autêntico, que nasce de dentro de você, e não algo imposto de fora para dentro.
Isso nos leva a questionar:
Quanto nossas mentes nos aprisionam dentro de crenças e realidades?
Quanto a ampliação da nossa visão de mundo e a consciência de nossos valores sustentam a forma como vivemos?
Vivemos em um tempo em que somos constantemente estimulados ao consumo e à substituição. Como diz Bauman:
"A arte do marketing é plantar desejos que nunca podem ser satisfeitos."
Temos um trabalho enorme pela frente
Resistir ao comportamento de manada, aos apelos do marketing, ao vício e à distração das múltiplas telas.
Ao mesmo tempo, temos muitas pessoas despertas, agindo, vivendo a inquietação abençoada e a esperança ativa. Will Keepin descreve este momento como uma encruzilhada em que somos chamados a atuar como "enfermeiros de uma civilização em declínio" e "parteiros de uma nova civilização". Ele propõe que nossa tarefa é, simultaneamente, reconhecer e aliviar o sofrimento de sistemas que não mais sustentam a vida, enquanto nutrimos as sementes de um futuro mais justo, compassivo e regenerativo.
Paul Ray e Sherry Anderson, no livro Os Criativos Culturais (The Cultural Creatives), descrevem uma crescente parcela da população global que tem liderado iniciativas baseadas na sustentabilidade, na conexão espiritual e no desejo de construir comunidades mais alinhadas a valores humanos universais. Esses indivíduos, muitas vezes invisíveis às grandes narrativas, encarnam, na prática, o papel de parteiras do novo mundo.
Invisíveis também costumam ser as mulheres, grandes protagonistas nos movimentos sociais de resistência ao redor do globo, quase não aparecem sob holofotes nem aparecem nas grandes notícias, mas pesquisas como as de Erica Chenoweth e Victor Asal, ao analisar a eficácia de movimentos de resistência, revelaram algo crucial para nossa reflexão: as lutas não-violentas têm se mostrado significativamente mais eficazes do que as violentas, e que, grupos que optam por essas estratégias tendem a ter e a apoiar mulheres em papeis de liderança. Essa perspectiva revela a importância da valorização das mulheres na construção de uma nova cultura — não apenas em termos de equidade, mas também como agentes transformadoras essenciais.
Esses dados nos indicam que, para superar a mentalidade patriarcal e mecanicista que ainda predomina, é necessário incorporar uma visão de mundo que reconheça a centralidade das mulheres na mudança cultural e na regeneração social.
Essas transformações são profundas e inevitáveis. Para que a humanidade prospere, precisamos superar os valores da separação, da competição e da exclusão, para abraçar uma cultura de parceria e respeito, onde o cuidado com o coletivo e o bem-estar de todos sejam prioridades.
Isso não significa uma utopia irrealizável, mas sim uma mudança gradual e urgente nas estruturas que regem nossas vidas.
Transformar nossa visão de mundo não é apenas uma necessidade; é um convite a nos reconectarmos com a vida em todas as suas dimensões. Essa transição exige coragem para olhar além das crises e imaginar um futuro no qual possamos viver em harmonia com o planeta e entre nós. Como parte dessa jornada, talvez a pergunta mais importante que podemos fazer seja:
Quais sementes do futuro estamos cultivando hoje?
Outro mundo não só é possível, como já está a caminho. Nos dias calmos, posso ouvi-lo respirar.
– Arundhati Roy
Para transformar a visão de mundo e ter ações que engajem uma nova percepção e atuação no mundo
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