É conhecimento comum que Ecologia é um termo cunhado a partir das palavras gregas oikos (eco) e logos, significando o “estudo da casa”... e que a gente precisa aprender sobre a natureza para conservá-la. O “conhecer para conservar”virou um lema básico para a educação ambiental, em seus diferentes níveis e formas.
Mas, infelizmente, a destruição da natureza é que tem andado lado a lado com a evolução do conhecimento sobre ela, em uma contradição alarmante. Afinal, nunca se destruiu tanto a natureza quanto nas últimas décadas. E nunca se soube mais sobre ecologia do que hoje.
Apesar dos esforços da educação ambiental, a humanidade, ao que se constata, insiste em ser deseducada.
Não são poucos os dados, as estatísticas e as modelagens científicas. A era em que estamos já é chamada de Antropoceno, período em que estamos vivenciando a sexta e mais rápida extinção em massa de espécies, não por causa de impactos de asteróides ou alterações geológicas, mas por causa da atuação exclusiva e deliberada da espécie humana, justamente a que se autoproclama como a única inteligente. A extinção vem sendo acompanhada por mudanças climáticas cada vez mais impactantes, que são previstas cientificamente. Para tentar reduzir seus efeitos, acordos mundiais vêm sendo estabelecidos há muito tempo. É bom lembrar que o Protocolo de Kyoto, um marco histórico neste sentido, foi proposto há mais de um quarto de século.
Por que afinal temos sido tão imbecis, ao ponto de matar a possibilidade de gerações atuais e futuras, da nossa e de outras espécies, viverem neste planeta?
Talvez a resposta não esteja na falta de conhecimento, mas na opção pelo conforto ou status individuais a qualquer custo, incluindo neste alto custo o bem estar coletivo. Nos alarmamos com a notícia de desmatamento, mas ela se relativiza se vier de uma TV sobre um móvel de madeira “de lei”; nos escandalizamos com a destruição do cerrado, transformado praticamente em monocultura de soja, mas nos orgulhamos ao aceitar a notícia de que com ela estamos alimentando o mundo, mentira que seria facilmente percebida se não melindrasse falsos escrúpulos de consciência; ficamos estarrecidos com notícias de impactos ambientais do garimpo e da mão de obra escrava que extrai os minérios pelo mundo, mas isso não é suficiente para reduzir a vontade de trocar de aparelho celular – feito com estes minérios – constantemente.
E é claro que não faltam entorpecentes. A falácia da compensação de carbono, tão na moda hoje em dia, é uma delas. Afinal, é tranquilizador assistir a um show, comprar um bife ou fazer um vôo de avião cuja propaganda afirma que o carbono foi “zerado”, como se houvesse planeta suficiente para compensar o carbono efetivamente gasto em qualquer atividade, ou como se a moeda do carbono resolvesse milagrosamente todos os impactos ambientais.
O Antropoceno, em última análise, é o Capitaloceno: a era em que, em nome do lucro, do conforto e das vantagens pessoais, todo o resto importa menos. E em um planeta em que mais ou menos metade da renda mundial está na mão de menos de uma centena de pessoas, parece que o que importa menos é mesmo a vida da imensa maioria das pessoas, junto com todas as espécies.
Obviamente, não precisaríamos de todo o conhecimento que temos hoje para saber disso. É preciso sim “conhecer para conservar”, mas a realidade, porém, mostra que é preciso mais que isso.
É urgente criar caminhos de conhecimentos mais profundos, de reconexão humana com a natureza. Uma reconexão que possibilite o encantamento, o reconhecimento e a integração. Que possibilite modos de vida solidários e nos quais o bem viver - entre os humanos e entre humanos e outras espécies – seja mais que imaginação.
Felizmente, tem muita gente fazendo isso. Gente colonialmente invisibilizada no conceito global de humanidade, mas para quem o dinheiro e o lucro não valem mais do que o bem estar coletivo ou a relação de metabolismo com o ambiente natural, no qual seus modos de vida estão inseridos.
Muitas dessas “gentes” não foram percebidas até hoje pela suposta humanidade. Afinal, continuamos celebrando o 22 de abril como a data do descobrimento do Brasil - e não como a invasão européia. Temos nos esforçado em manter o efeito de desterritorialização das capitanias hereditárias e da Lei de Terras, empurrando para as cidades as comunidades rurais de agricultores familiares, como se no campo não estivessem. Criamos áreas protegidas em florestas biodiversas, cultivadas por povos originários, e depois os expulsamos de lá.
Mas essas pessoas ainda resistem e lutam por manter seus modos de vida. Indígenas de várias etnias, quilombolas, pescadores artesanais, caiçaras, faxinalenses, quebradoras de côco, agricultores sem-terra agroecologistas e tantas comunidades tradicionais, com todas as dificuldades possíveis, vivem na e da natureza, em sistemas de produção que podem nos ensinar a caminhar para a reconexão. Práticas agroflorestais e agroecológicas, trabalho em mutirão, cadeias curtas de comercialização, associativismo, arranjos produtivos locais e de economia solidária, entre outros aspectos, permeiam estes sistemas.
Mas sim, caro leitor, é importante avisar: são pretos sim; são indígenas sim; são mulheres sim; são idosos sim; moram longe sim; e não passaram pela faculdade não.
É preciso (re)conhecer que, na parte da humanidade que nunca foi vista como tal pelo pensamento colonial, podem existir chaves para o real aprendizado do “conhecer para conservar”. Gente para quem, em última análise, o capitalismo a todo custo ainda não virou modo de vida. E este reconhecimento não virá, certamente, sem inclusão social, sem valorização cultural e sem justiça ambiental... para muito além do “logos”.
A reconexão com a natureza que nos salvará do holocausto certamente não virá se não cortarmos a carne. E não é a de boi.
💠Para visitar a Aldeia Multiétnica, na Chapada dos Veadeiros, mesmo sem sair de casa:
Um audioguia para a visitação de pessoas cegas ou com deficiência visual no circuito cultural da Aldeia Multiétnica está disponível no Spotify. Claro que não é a mesma coisa que estar presente, mas já dá para sentir:
💠 Para se reconectar a natureza com encantamento e profundidade:
O Trabalho que Reconecta é uma abordagem revolucionária para ajudar as pessoas a lidar com a crise ecológica, econômica e social que estamos enfrentando. Trata-se de uma metodologia composta por ferramentas e práticas criada por Joanna Macy, há mais de 40 anos, como uma resposta direta às crises sociais, ecológicas e econômicas do nosso tempo. Saiba mais aqui.
Quando? 19 a 23 de julho.
Facilitadores: Marco Aurélio Bilibio, Nathalia Manso e Samira Kohn. (Conheça mais cada um deles aqui).
Onde? No Paraíso na Terra, situado na APA do Cafuringa (Área de Proteção Ambiental), Brasília.
Quer saber mais sobre essa imersão? Os facilitadores estão promovendo um webinário gratuito no dia 15 de maio, às 19h, para uma conversa sobre as bases do Trabalho Que Reconecta. Neste encontro, os participantes poderão tirar suas dúvidas e sentir um gostinho de como vai ser a imersão. Além disso, todas as pessoas que participarem do webinário receberão uma condição especial com desconto para imersão! ;)
Para participar, basta clicar na imagem abaixo e fazer sua inscrição:
💠 Para ler saberes integrados de diferentes pessoas:
O livro A Arte de Guardar o Sol: padrões da Natureza na reconexão entre florestas, cultivos e gentes (Bambual Editora).
Em uma linguagem quase poética, Walter Steenbock mostra como as forças da natureza funcionam, seus ciclos e processos ecológicos. Walter nos inspira a perceber os padrões de funcionamento da natureza que ocorrem nas florestas, nas plantas, nos animais, em qualquer célula e, inclusive, em nós mesmos.
Este livro começou a ser escrito ao redor de uma fogueira e é uma síntese do aprendizado de Walter Steenbock em sua trajetória profissional de mais de 30 anos, entre observações, conversas, pesquisas e práticas.
💠Para um compilado de notícias, memes, conhecimento e até festinhas sobre regeneração:
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