Do Ouvir ao Escutar
Precisamos aprender a verdadeira arte da comunicação | Travessia #14: escutar
Embora, ‘ouvir’ e ‘escutar’ sejam habilidades que andam de mãos dadas, carregam significados distintos que fazem toda a diferença. Enquanto 'ouvir' é um processo passivo, uma capacidade física, automática e involuntária que não exige esforço consciente, ‘escutar’, por outro lado, é um ato ativo e intencional, que envolve não apenas a percepção dos sons, mas também atenção concentrada e esforço mental para compreender e interpretar o que está sendo dito.
Escutar requer foco. Quando escutamos, estamos engajados ativamente com quem está falando, processando não apenas as palavras, mas também o tom de voz, as emoções e as intenções por trás e nas entrelinhas da mensagem.
A escuta é essencial para uma comunicação eficiente e para a manutenção de relações saudáveis. Diversas pessoas se dedicam a compreender e refletir profundamente sobre como esses elementos atravessam nossas vidas, e o quanto de elementos não verbais participam de nossa comunicação e estão incluídos no que é ou não ‘escutado’ em um diálogo.
Albert Mehrabian é frequentemente citado para ilustrar a importância dos elementos não verbais na comunicação. Sua pesquisa, focada em comunicações emocionais, levou à concepção da famosa fórmula 7-38-55, que descreve a porcentagem de contribuição de diferentes aspectos da comunicação na interpretação do significado de uma mensagem. A fórmula sugere que a interpretação do que é dito seria composta de: 7% Verbal (as palavras usadas) 38% Vocal (Inclui o tom de voz, inflexão, ritmo e outros aspectos paralinguísticos) 55% Visual (envolve expressões faciais, gestos, postura e outros sinais não verbais).
Apesar de sua popularidade, essa fórmula é criticada pelos que contestam a relevância de resumir a comunicação – esse processo complexo e multifacetado – a uma fórmula simplista, e que, na realidade, esses percentuais variam dependendo do contexto, do teor do diálogo, e da relação entre os interlocutores. Assim, a fórmula 7- 38- 55 se aplicaria mais a comunicações emocionais. Para comunicações puramente informativas ou factuais, por exemplo, a importância dos elementos verbais é significativamente maior.
Mesmo com suas limitações, o estudo de Mehrabian destacou a importância dos aspectos não verbais da comunicação, influenciando áreas como a psicologia, a comunicação empresarial, e o treinamento em habilidades interpessoais. Hoje em dia, profissionais de diferentes áreas utilizam esses insights para melhorar suas habilidades de comunicação, levando em conta não apenas o que dizem, mas como dizem e a linguagem corporal que acompanha suas palavras.
Otto Scharmer, idealizador da Teoria U, é outro que organizou um material muito interessante sobre os diferentes níveis de escuta que acessamos em nossas relações.
Em sua metodologia, Otto Scharmer, nos convida a, por um lado, identificar “como escutamos” e, por outro, a também desenvolvermos nossas habilidades de escuta para escolhermos conscientemente “como escutar”. Ele observa que os níveis de escuta são uma parte central do processo de transformação social e organizacional, e destaca que a escuta profunda é essencial para acessar uma inteligência coletiva e co-criar o futuro emergente.
Seu trabalho se encontra com as propostas de Margaret Wheatley, que, no livro "Turning to One Another: Simple Conversations to Restore Hope to the Future", argumenta o quanto a conversa é uma das ferramentas mais poderosas para criar mudanças sociais e organizacionais. E fala sobre como a escuta genuína e as conversas significativas podem restaurar a esperança e a coesão em comunidades e organizações.
Nós escolhemos o que e quem ouvimos?
Existem muitos outros exemplos e pessoas dedicadas a entender a comunicação e a importância da escuta. Curiosamente, essa dedicação revela a ausência de escuta profunda, compassiva e empática. Isso reflete, nas entrelinhas, o quanto sofremos pela falta de comunicação cuidadosa e nos leva a questionar a falta de comunicação real.
Qualquer pessoa que tenha refletido sobre “comunicação” já percebeu que é recorrente não se sentir compreendida pelo interlocutor. Isso ocorre por vários fatores: ou não dizemos o que realmente queríamos, ou porque, muitas vezes, o outro não entende o que quisemos dizer.
Relações antigas, por exemplo, carregam muitos pressupostos e é comum acreditarmos mais em nossa versão do que foi dito, do que no que realmente foi dito. Muitas vezes ficamos presos no nível 1 de escuta e sofremos com a ausência do hábito de checar a compreensão, o que cria uma bola de neve entre as pessoas, gerando afastamento.
Nossa estrutura social de “poder sobre” está intimamente relacionada a essa dinâmica
Pessoas em situação de alto poder e privilégio, facilmente “não dão ouvidos” a pessoas com baixo acesso a privilégios e poder. Mal hábito oriundo de nossos preconceitos, refletidos como:
Etarismo, quando adultos não escutam crianças, jovens ou pessoas idosas;
Racismo, quando pessoas brancas não ouvem pessoas de outras etnias;
Especismo, quando não damos atenção a todos os sinais e sofrimentos dos animais e da Natureza como um todo;
Machismo, quando homens não escutam mulheres – para esse caso até temos um termo específico o tal do "Mansplaining" tão recorrente em nossa sociedade.
Outro aspecto importante é a história de vida de quem conversamos, pois cada um carrega um conjunto de crenças e traumas que muitas vezes enviesam nossa compreensão do que realmente foi dito. Isso faz com que entendamos através de nossas próprias lentes e opiniões, reduzindo a capacidade de um diálogo não violento. Não é à toa que um dos aspectos da Comunicação Não Violenta é reconhecer os valores universais e promover pontes antes de nomear distâncias.
Em tempos de aceleração, com múltiplos dispositivos disputando nossa atenção, participar de diálogos profundos e promover uma compreensão verdadeira requer uma escolha consciente que demanda dedicação. Como mencionado, diversas pessoas se dedicam a entender de que modo é possível promover uma cultura regenerativa no mundo, e apontam o desenvolvimento da habilidade da escuta empática e compassiva como um caminho.
E, para além da comunicação entre humanos, para mudarmos o rumo de nossa história, precisamos dar ouvidos aos gritos silenciosos dos que não tem voz… Como dizia o mestre Thich Nhat Hanh:
“Precisamos ouvir o som da terra a chorar”.
Então, minha provocação de hoje é:
Você tem dado ouvidos a esses assuntos?
Quais práticas inclui em sua rotina para desenvolver sua habilidade de escuta?
Conta aqui nos comentários, por e-mail ou lá no Instagram 😉.