“A cura se dá pelo amor”
Percepções de uma leitora-fã. #Te Indico Um Livro: Regenerantes de Gaia
A primeira vez que li o Regenerantes de Gaia (Ed. Dantes) fiquei um tanto perturbada. Como é que um acadêmico, tão erudito nos primeiros capítulos, poderia ter em seu livro, de repente, um capítulo que não falava muito coisa com coisa?
Coisas do tipo:
“Somos chamadas de clúsias ou abaneiros da Mata Atlântica. Estrangulamos, matamos, tomamos o lugar de outras. Mas não nos confundam com as figueiras, as mais famosas estranguladoras.”
Pra mim, ler isto no capítulo 4 contrastou demais com este trecho do primeiro capítulo:
“Vivemos o espaço-tempo de Einstein sem entendê-lo. Vivenciamos a evolução de Darwin sem apreendê-la. Disso resulta angústia. Quem dera fosse essa a angústia de que trata Kierkegaard, que nos empurra para a frente e nos faz transformar as coisas para melhor. Receio, porém, que com mais frequência essa seja a angústia abordada por Lars Von Trier, que paralisa, traz medo e doença. O mesmo medo que mata o outro e a mesma doença com a qual contaminamos a biosfera.”
Não parece que são livros diferentes? Mas não é.
Aos poucos fui entendendo que não estava lendo um livro acadêmico ou um ensaio sobre regeneração. Não, realmente não estava.
Fui percebendo, sentindo no corpo, que se tratava de uma expressão artística - daquelas feitas com a alma e que, em sua gênese, nascem para perturbar mesmo, para sacudir o pensante e evocar o espírito.
“Mas será que ele não vai falar de regeneração?”, fiquei me contorcendo para concluir… Afinal, meu estímulo inicial para ler este livro foi por ter assistido a conversa do Fábio Scarano com o Daniel Wahl na abertura do Liv Mundi 2020 e, para mim, Daniel Wahl pulsa regeneração, portanto - na minha lógica interna e egocentrada -, Scarano também pulsaria.
E… sim! Scarano fala sobre regeneração em seu livro, mas de uma forma tão doce, tão arte, tão intensa e íntima que realmente precisei deixar a couraça mental-pensante-intelectual para viver o regozijo das histórias e paisagens que ele foi construindo ao passar das páginas.
Então, pessoa amiga, se você for ler Regenerantes de Gaia prepare-se para uma experiência que, dependendo de sua própria entrega em companhia do Fábio, poderá ser somente uma respiração profunda que nutre a alma ou uma viagem transcendental vital.
Com certeza, a chegada será inspiradora e esperançosa.
Fábio gentilmente respondeu algumas perguntas dessa leitora-fã que lhes escreve. Espero que possa inspirar a todas as pessoas que leem a Travessias Revista Digital, tanto quanto me inspirou.
Você é um regenerante de Gaia? Por quê?
Fábio Scarano: Não, não… digamos que sou aspirante a regenerante, aprendiz. Tenho dado a sorte ao longo da vida de ser cercado por pessoas e plantas que o são e, com eles, tenho tentado aprender e transformar em ação.
Quando surgiu a vontade de escrever este livro?
Fábio Scarano: O livro foi uma provocação da minha querida amiga e editora Anna Dantes. Ela leu um artigo que eu havia escrito em 2012 sobre o que eu e meu amigo e ex-aluno Mário Garbin, chamávamos de “espécies-tronco”: plantas que, ao nosso ver, seriam as “células-tronco” de Gaia. Daí a Anna me disse: “você precisa escrever um livro chamado “Regenerantes de Gaia”.
Por ocasião do primeiro evento do “Selvagem Ciclo de Estudos” (promovido pela Dantes Editora, 2018), a Anna e o Ailton Krenak me pediram para falar numa roda sobre a regeneração de Gaia. Essa oportunidade reativou a ideia do livro, que viria a ser lançado no Selvagem de 2019, um ano depois.
Em sua atuação acadêmica, você se permite ser artista também?
Fábio Scarano: Não sei bem se sou artista, mas desde muito novo sou apaixonado pelas artes, especialmente o cinema e a literatura. Eu achava que a ciência, a arte e também a espiritualidade eram três mundos separados e, portanto, haveriam “três Fabios”, já que são três coisas que me fascinam e atraem. O Regenerantes foi uma forma desses três Fabios se encontrarem e se fundirem. Ainda não se encontraram de todo. Quem sabe no próximo livro?
Quais são os diálogos que se abriram depois de colocar esse livro no mundo? O que os leitores dizem?
Fábio Scarano: O livro entrelaça narrativas científico-filosóficas, com arte (especialmente cinema) e espiritualidade (vegetal e humana) - com uma forte influência do meu interesse pela cultura ameríndia. Acaba, assim, por misturar estilos e formas de contar estórias e sentimentos. Escrevê-lo foi uma espécie de auto-terapia ou auto-análise.
Admito que escrevi para mim mesmo, talvez como forma de me entender ou de tentar juntar meus pedaços separados. Tenho achado curioso como um exercício “pra dentro”, acaba que repercute de formas muito distintas “pra fora”.
Tanto há quem diga “o que gostei mais foi das plantas narrando” ou “preferi o capítulo tecnológico”, como tem quem diga “gostei da mistura”, ou ainda os mais criticamente sinceros que dizem “parece que são pessoas diferentes escrevendo”. Não notei nenhuma unanimidade entre os porquês de gostarem, ou não gostarem. Particularmente, o que eu mais gosto no livro é a arte editorial da Dantes e as ilustrações da querida Lua Kali, que a meu ver tornam as palavras do livro dispensáveis.
Quais os seres humanos e não-humanos inspiram sua jornada regenerante?
Fábio Scarano: Comecei pelas plantas, como te disse. Me interessa o fato da ciência hoje conhecer muito as plantas produtivas (agrícolas e florestais, especialmente as que crescem rápido), as plantas-modelo (como a Arabidopsis, que é uma espécie de ratinho de laboratório vegetal), e, graças à biologia da conservação, hoje conhecemos mais sobre a plantas raras. Estranhamente, conhecemos pouco ou nada sobre a biologia do comum. À luz das mudanças planetárias em curso, são as plantas comuns que mais provavelmente estarão por aqui no futuro. O livro trata, em primeira pessoa, de algumas dessas plantas que eu e meus colegas passamos anos de nossa vida estudando e convivendo: na restinga, na mata atlântica, na Amazônia. Quanto aos humanos, são muitas as inspirações, mas eu resumiria dizendo que são as pessoas com a capacidade de amar e cuidar da natureza interna e externa a elas. Pessoas que vivem o amor à natureza, ao próximo e a si mesmas.
No livro você afirma que acredita que conseguiremos fazer as mutações internas e externas necessárias para que a regeneração aconteça. Você pode me contar de onde vem essa certeza, essa esperança?
Fábio Scarano: Essa esperança é puramente intuitiva. Tem dias que, despertando, naquela hora em que se está meio dormindo meio acordado, sinto tanto isso que quase consigo tocar o que chamo de mutação coletiva.
A nossa espécie tem uma grande capacidade de adaptação a mudanças. Temos a chance de perenizar, não nos extinguir, ao menos até a hora do Sol incinerar a Terra (o que ainda deve levar uns 5 bilhões de anos para acontecer). Mesmo quando essa hora chegar, talvez até lá já tenhamos ferramentas para de alguma forma manter o DNA vivo no universo - ele que é a chave da vida.
Já a vida é a chave para todo encantamento, que é o que dá a luz ao amor. O livro é sobre isso, acho. Se alguma espécie pode vir a fazer isso, essa espécie é a nossa. Para tanto, precisamos nos regenerar, nos reconectar com a força da vida, nos religar ao cosmos. Essa estranha fase que o planeta atravessa ainda deve levar um tempo, mas intuo que sairemos dela mais fortes e mais ciente da nossa responsabilidade como espécie para com tudo que é vivo e não-vivo.
💠 Para escrever como quem manda cartas de amor
Vem aí a Jornada de Escritas Regenerativas Online. Afinal, que pode a escrita, a palavra e a arte em um mundo em decomposição?
Escritas Regenerativas é tanto uma vivência de regeneração pessoal à partir da escrita, quanto um chamado à ação para enfrentar os desafios sociais e ecológicos através da construção de uma nova narrativa coletiva. A jornada convida qualquer pessoa que queira mergulhar no universo da escrita ou das culturas regenerativas.
Está estruturada de maneira transdisciplinar e dividida em 3 módulos: semente, árvore e floresta. Em todos os encontros os participantes navegarão por diferentes referências que performam a escrita e por alguns pensadores do século 21 que reivindicam a importância dos saberes ancestrais e tradicionais.
Acompanhe o projeto no instagram: @escritas_regenerativas e saiba mais da jornada aqui.
💠 Para ler um romance que desvenda encontros regenerativos
Na melhor tradição dos contadores de história, Paulo Freire, violeiro e escritor, narra a trajetória de Selva, jovem paulista apaixonada pelas plantas medicinais, e de Teófilo, sobrevivente da seca do sertão, da febre amarela, da miséria humana.
A personagem principal do livro, Selva, rompeu com os paradigmas de uma sociedade utilitária, que encontra tudo pronto, tudo sobre a mesa ou na farmácia mais próxima. Daí para uma esterilização dos sentimentos, é um pulo.
Os leitores deste delicioso livro irão desvendar um Brasil que Paulo Freire conheceu em profundidade, principalmente quando viajou pelo sertão do norte de Minas, uma terra que mostra muito bem o que é ser brasileiro. E encontrarão dramas reais, um humor fino e a constatação de que a vida é dura, mas também ensina. Acredito que esta narrativa possa dar start em alguma mente que sente que a vida não é só isso que se vê – é um pouco mais, como disse Paulinho da Viola num samba antológico.
Minha amiga, meu amigo, escrever requer coragem. Paulo Freire tem.
Wandi Doratiotto
Ator, apresentador de televisão, cantor, compositor e músico brasileiro.
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